“Superocupado” parece ser a palavra que melhor descreve a agenda de alguns pastores no Brasil. A atenção dedicada à preparação de sermões e estudos bíblicos (no mínimo 3 por semana), visitações, aconselhamentos, administração eclesiástica, mediações de conflitos, resolução de problemas de última hora etc., fazem com que as 24 horas do dia sejam insuficientes para um pastor realizar tudo o que se espera dele. As demandas do ministério pastoral são inúmeras e, muitas vezes, o ministro acaba pagando um alto preço em termos de desgaste pessoal e familiar.
Uma das alternativas para lidar com essa pressão é aplicar o princípio da delegação, o mesmo que Jetro ensinou a Moisés, quando ele conduzia os israelitas rumo à Terra Prometida (cf. Êx 18.13-24). Ao ver o seu genro superocupado, atendendo a demandas e conduzindo o povo, Jetro disse a Moisés: “Não é bom o que fazes. Sem dúvida, desfalecerás, tanto tu como este povo que está contigo; pois isto é pesado demais para ti; tu só não o podes fazer” (v. 17-18). Na perspectiva de Jetro, tanto Moisés como os israelitas sofreriam os prejuízos da centralização na liderança. Convencido pelas palavras de seu sogro, Moisés escolheu alguns homens e os colocou sobre pequenos grupos para lidar com questões mais simples, enquanto somente os assuntos mais graves viriam a ele. Em outras palavras, Moisés passou a compartilhar liderança e a delegar atividades a algumas pessoas específicas, visando ao bem comum: sua saúde pessoal e a edificação do rebanho.
Infelizmente poucos pastores parecem convencidos do princípio da delegação e, em certo sentido, essa dificuldade é até compreensível. Quando se delega, é necessário estar disposto a se satisfazer com um resultado inferior ou superior ao esperado. O resultado pode, inicialmente, ser inferior, pois a pessoa que recebe a responsabilidade da tarefa não está tão familiarizada com o que deve ser feito. Nesse sentido, o pastor que delega deverá agir com paciência e, talvez, até reparar alguns pequenos erros. Contudo, o resultado pode também ser superior ao esperado, pois a pessoa que recebe a tarefa pode fazer muito melhor do que era esperado. Nesse caso, o pastor que delega deve responder com humildade e se alegrar com a contribuição recebida. Mas, a maior dificuldade da delegação é que ela descentraliza as demandas e, às vezes, faz o pastor se sentir como se ele não fosse mais tão necessário. De fato, muitos pastores gostam de estar “superocupados”, com uma agenda repleta de atividades, pois isso parece justificar a existência e o papel deles diante do rebanho. Muitos têm caído nessa armadilha sutil e demoníaca, que pode acabar roubando a alegria e arruinando alguns ministérios.
Mas, como saber se estamos “superocupados”? Qual deve ser o critério para essa avaliação? Simples. Estamos “superocupados” quando fazemos por outros o que eles podem fazer por eles mesmos. Por exemplo, o pastor que não tem paciência de esperar que os diáconos façam seu dever e, por isso, assume a responsabilidade dos assuntos de manutenção, distribui Bíblias aos visitantes na participação do culto e algumas outras coisas. Semelhantemente, ele acaba assumindo o papel da superintendente da Escola Dominical, do líder de cânticos e, até da comissão de construção. Enfim, tudo tem de passar “pelas mãos” (ao invés de “pelos olhos”) do pastor. Pastores “superocupados” atrapalham o desenvolvimento das ovelhas e prejudicam o seu próprio crescimento espiritual. Todas as vezes que temos um pastor “superocupado” e “centralizador”, temos um rebanho “subdesenvolvido” ao seu redor.
Talvez possamos entender melhor os prejuízos de nossa incapacidade em delegar ao observarmos alguns resultados negativos da centralização no ministério. Como Jetro afirmou a Moisés, os prejuízos podem ser pessoais e comunitários. Assim, consideremos três aspectos desse prejuízo à luz do ensinamento bíblico.
1. Centralização gera ressentimento
O episódio do encontro de Jesus com Maria e Marta, em Lucas 10, ressalta a frustração de Marta por ela estar trabalhando tanto enquanto sua irmã, Maria, apenas ouvia atentamente aos pés de Jesus. Marta estava ressentida e irada com aquela situação. Ela se sentia responsável por todo o serviço, enquanto sua irmã apenas desfrutava da companhia de Jesus. Na verdade, Marta estava não apenas ocupada; ela estava ressentida!
O caso de Marta se repete continuamente com aqueles cujo ministério é marcado pela centralização. Eles se sentem responsáveis por muitas vidas e inúmeras atividades, desprovidos do tempo necessário para desfrutarem da comunhão com o Redentor e meditação em seus ensinamentos. Na verdade, os ministros “superocupados” facilmente se esquecem de que apenas “uma coisa é necessária” (Lc 10.41-42) e começam a preencher suas agendas com “muitas coisas”. O resultado dessa atitude, além do cansaço, é ressentimento e aridez. Ficamos ressentidos porque percebemos que ninguém se disponibiliza, ninguém trabalha, todos parecem ser apenas consumidores e assim por diante. Porém, deveríamos questionar a nós mesmos, se realmente estamos dando aos outros a oportunidade de trabalharem e nos ajudaram na execução da obra.
2. Centralização perpétua imaturidade
Quando Jetro ofereceu aquele conselho a Moisés, provavelmente as pessoas se sentavam, todos os dias, em longas filas, aguardando pelo momento de terem uma audiência com seu líder espiritual. Moisés deveria estar tão cansado que nunca ocorreu a ele que as demandas do povo poderiam ser abordadas de outra maneira. Foi necessário que alguém “de fora”, alguém que nem israelita era, apontasse o óbvio para Moisés. O trabalho realmente era muito pesado para uma só pessoa, mas ele poderia ser compartilhado com outros que tinham recebido dons e talentos para liderar também.
A vida de Moisés deve ter mudado totalmente depois que ele aceitou o conselho do seu sogro. Mas ele não foi o único a ser beneficiado, pois o povo não precisou mais permanecer longas horas aguardando uma solução para suas questões e os novos líderes nomeados também cresceram ao exercitar seus dons e talentos na condução do povo.
É irônico perceber que o próprio Moisés estava sendo um obstáculo em relação ao amadurecimento espiritual do povo que ele liderava. Moisés assumiu a responsabilidade de ser o “libertador” do povo, mas ele não percebeu que era apenas um instrumento naquele processo e que o Senhor (o verdadeiro Libertador) possuía outras pessoas que poderiam ajudar.
A atitude de Moisés continua sendo perpetuada por alguns pastores que, bem-intencionados, acabam impedindo o amadurecimento espiritual do seu rebanho. O fato de eles se encarregarem da execução dos “mínimos detalhes” serve de obstáculo para o crescimento da igreja e desenvolvimento de outros líderes. Se realmente amamos o rebanho, conseguiremos abandonar nossa insegurança que nos leva a ser centralizadores e compartilharemos a liderança com outras pessoas.
3. Centralização impede que o aspecto central do ministério seja atendido
Os apóstolos definiram o elemento central de seu ministério como sendo a consagração à oração e ao ministério da Palavra (cf. At 6.4). Em certo sentido, o trabalho pastoral é paralelo àquele dos apóstolos, pois o cerne desse ministério também inclui a consagração à oração e à Palavra. Todavia, se o tempo a ser dedicado a essas atividades for utilizado para realizar coisas que outras pessoas poderiam fazer, certamente o ministro se desviará do aspecto central de seu chamado. Dificilmente ele se consagrará satisfatoriamente à oração e à Palavra se, ao invés de delegar algumas atividades, ele dedicar seu tempo a realizar tarefas que outras pessoas poderiam executar.
No caso de Moisés, ele se ocupou tanto em ouvir e julgar os problemas dos seus liderados que se esqueceu do seu verdadeiro chamado: conduzir aquele povo à Terra Prometida. O cansaço das demandas seria muito para ele e, por isso, Jetro o aconselhou a descentralizar as atividades e delegar a pessoas que poderiam ajudá-lo naquela função.
Há pastores que, por causa da centralização, se sentem úteis para outras pessoas, mas não estão seguros se estão cumprindo o ministério para o qual o Senhor os vocacionou. É nesse contexto que impera a “crise ministerial”, quando alguns ministros até questionam suas vocações. O fato é que eles se perderam realizando tantas coisas periféricas que aquilo que era o principal acabou sendo deixado de lado. Por exemplo, há pastores que dedicam grande parte da semana supervisionando construções de templos, salas de EBD e coisas semelhantes, mas não conseguem ter tempo para preparar uma boa exposição bíblica. Outros, se envolvem tanto com as questões burocráticas e políticas da igreja local ou da denominação que nem preparam seus sermões. Em ambos os casos, esses ministros correm o risco de “manipular a palavra de Deus”, lendo um texto fora do contexto e utilizando o tempo no púlpito apenas como um pretexto para dizerem alguma coisa que nem eles mesmos entendem. Certamente Deus é ofendido por esse procedimento, pois aquele que foi chamado para expor as Escrituras acaba desprezando as Escrituras e, consequentemente, o seu próprio chamado.
Jesus, ao final de seu ministério terreno, orou ao Pai dizendo: “Eu te glorifiquei na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer” (Jo 17.4). Dificilmente um pastor centralizador poderá orar assim, pois ele se perderá realizando tantas coisas que poderia ter delegado a outros que ficará devendo em relação ao verdadeiro cerne de seu chamado.
Delegar é um princípio bíblico e a incapacidade em cumpri-lo pode comprometer e arruinar o ministério do mais piedoso pastor. O pastor centralizador causará mal a si mesmo, sua família e ao rebanho que lhe foi confiado. Assim, é necessário que cada um de nós exerça autocrítica e, com humildade, procuremos crescer na prática de partilhar a liderança com outros e delegar atividades àqueles que podem nos ajudar na realização da obra a nós confiada.
O Rev. Valdeci Santos é Diretor do Centro de Pós-Graduação Andrew Jumper.