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Uma reflexão sobre o denominacionalismo

“(…) quem não é contra nós é por nós” (Mc 9.40).

Quando chegarmos em 2029, alguns se lembrarão que passaram cinco séculos desde a realização do Colóquio de Marburgo. Foi em 1529 que, na Alemanha, reuniram-se ilustres teólogos com o intuito de unificar o jovem movimento protestante. Naquela época existiam apenas luteranos e reformados. Ainda não havia anglicanos, batistas, metodistas, pentecostais e as milhares de denominações que vemos hoje. Em Marburgo estiveram, de um lado, Lutero e Melanchthon e, do outro, Zuínglio e Ecolampádio. Luteranos e reformados concordaram em 14 artigos de fé, mas discordaram sobre o significado da santa ceia. O Colóquio de Marburgo não teve o desfecho esperado e evidenciou a tendência dos herdeiros da Reforma ao denominacionalismo, traço que tem acompanhado o protestantismo desde sempre.

Bem, de lá para cá muita água já passou por debaixo da ponte e as discordâncias entre os chamados evangélicos só aumentaram, apesar dos muitos esforços em prol da comunhão deles. Além do mais, se nenhuma tentativa mostrou-se eficaz para erradicar as diferenças e unir-nos sob uma só placa ou nome de igreja, é improvável que isso aconteça antes do retorno de Cristo. Contudo, nada disso deve obscurecer as instruções bíblicas a respeito da fraternidade cristã. Uma delas diz: “(…) esforçando-nos diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz” (Ef 4.3). Essa ordem é seguida pelo lembrete de que há somente um corpo, um Espírito, uma esperança, um Senhor, uma fé, um batismo e “(…) um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos” (Ef 4.6). Em outras palavras, a Escritura Sagrada nos recorda que o povo de Deus está em todos os lugares onde existem pessoas que professam a mesma fé.

Esse ensinamento, que atesta a universalidade da igreja, pode ser ilustrado por um episódio narrado nos evangelhos de Marcos e Lucas. Em certa ocasião, os discípulos viram um homem que expelia demônios em nome de Jesus. Supresos pelo fato dele evocar o nome de Cristo sem pertencer ao grupo dos doze, os discípulos o proibiram de continuar fazendo isso. Quando contaram ao mestre a situação, ele lhes disse: “Não lho proibais; porque ninguém há que faça milagre em meu nome e, logo a seguir, possa falar mal de mim. Pois quem não é contra nós é por nós” (Mc 9.39-40). Jesus lembrou-lhes que o reino de Deus ia além do que imaginavam.

Em outra ocasião, Jesus orou ao Pai e declarou: “(…) para que todos sejam um; assim como tu, ó Pai, és em mim, e eu em ti, que também eles sejam um em nós; para que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17.21). O desejo de unidade do nosso Senhor não se restringia aos discípulos, mas aos demais que haveriam de crer nele (v. 20), isto é, seus filhos em todas as épocas.

Mas, o que dizer das diferenças eclesiásticas? A diversidade, em si, não deve ser um obstáculo para a comunhão dos santos. O Deus dos cristãos subsiste em três pessoas e todas trabalham em harmonia. Os apóstolos tinham suas peculiaridades e serviam ao mesmo Senhor. Às vezes, o confronto cara a cara foi necessário entre eles (Gl 2.14). Lembremos também que existem variedades de dons, ministérios e operações, “(…) mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos” (1Co 12.6). A diversidade pode ser bela e saudável desde que tenhamos maturidade para aceitá-la. Dois dos pregadores mais famosos que passaram por este mundo foram o calvinista George Whitefield e o arminiano John Wesley. Eles participaram do primeiro grande avivamento da era moderna. Diz-se que certa vez perguntaram a Whitefield se ele iria ver Wesley no céu. Ele respondeu: “Não, acho que não. Wesley estará tão perto do trono eterno e eu estarei tão longe que não poderei vê-lo”. Apesar de suas diferenças teológicas, eles se tratavam como irmãos em Cristo e sabiam que iam viver juntos por toda a eternidade.

Denominacionalismo nem sempre é sinônimo de rivalidade entre igrejas. O testemunho de um irmão nosso que viveu em Nápoles, Itália, na década de 1930, é-nos útil. Ele informa que eram dez denominações para apenas mil protestantes. Mas quinzenalmente os pastores se reuniam para confraternizarem e, uma vez por ano, suas igrejas se uniam para realizar uma semana de evangelização. Belo exemplo de unidade em meio à diversidade. Os membros de uma família não vivem necessariamente brigados pelo fato de terem trabalhos diferentes e dormirem em quartos separados.

Pois quem não é contra nós é por nós. 

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