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Fé, adoração e missão

Dentre vários, um dos maiores equívocos teológicos e práticos no meio cristão está ligado à fé. Para muitos, a fé é resultado de mérito pessoal ou adquirida capacidade espiritual, com a qual se pode desenhar e assegurar o futuro desejado.

Devemos nos lembrar, porém, que a fé não é uma habilidade espiritual com a qual podemos determinar o nosso futuro, mas sim a confiança em Deus e no futuro determinado por Ele.

A fé é essencial à vida cristã. Hebreus 11:6 nos ensina que sem fé é impossível agradar a Deus. Significa que podemos ler a Palavra, cantar louvores e fazer orações, mas, sem crer, Deus não se agrada de nós. Efésios 2:8 afirma que somos salvos pela graça de Deus mediante a fé. Não mediante o conhecimento intelectual ou as obras realizadas, mas pela fé. Portanto, sem fé estamos total e eternamente perdidos.

Hebreus 11:1 nos ensina que “a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não veem”. Não precisamos de fé para crer naquilo que vemos e podemos naturalmente perceber. E não precisaremos de fé nos céus, pois veremos Jesus face a face. Mas, enquanto na terra, necessitamos de fé para conhecer, crer e confiar em Deus e nas promessas de Deus. O Senhor nos convida a crer.

E a fé produz frutos. Eles são muitos, e gostaria de destacar dois: a adoração e a missão. Estou convencido que adoração e missão são temas a serem considerados juntos. Primeiramente, porque a missão existe para que haja adoração; e a adoração é o resultado pleno da missão.

Em segundo lugar, porque ambos não resultam de programas eclesiásticos ou missionários, mas de um chamado de Deus. Somos chamados para adorar e servir a Deus com tudo o que somos, o que temos e o que fazemos. E, por fim, porque adoração e missão se complementam. Se eu sirvo a Deus, mas não o adoro, eu me torno um legalista, em que regras religiosas são seguidas, mas um relacionamento com o Altíssimo não é cultivado. Por outro lado, se eu adoro a Deus sem servi-lo, eu me torno um hipócrita. Exalto aquele que é o único caminho, verdade e vida, mas guardo tudo isto apenas para mim, sem apresentar a água viva aos que estão desesperadamente sedentos. Como nos alertou Jesus, corremos o risco de nos tornar sal que não salga, luz que não brilha e árvore que não frutifica (Mt 5:13-16; 7:19).

Em Gênesis 12 vemos que o Senhor chamou Abraão para uma jornada de fé. O alvo deste chamado não era simplesmente dar-lhe uma terra ou um nome conhecido, mas levá-lo a conhecer e confiar no verdadeiro Deus. Abraão é chamado de pai da fé (Rm 4:11), pai de muitas nações (Rm 4:18) e amigo de Deus (Tg 2:23). Esse último título foi dado diretamente pelo Senhor, quando Ele fala sobre Israel e Jacó “… descendentes de Abraão, meu amigo” (Is. 41:8). A palavra “amigo” em Hebraico (ahab) significa ‘próximo e amado’, um companheiro de caminhada. Indica a maneira como Deus o chamou para uma jornada de profunda fé e relacionamento pessoal.

Fé e adoração

A adoração é o primeiro fruto da fé que gostaria de destacar. Observemos a caminhada de fé de Abrãao logo após o seu chamado. Após meses de viagem, ele e sua família chegaram à terra que lhes fora prometida por Deus. Foram meses de peregrinação cobrindo centenas de quilômetros entre desertos, montanhas e vales.

É impressionante observar que, ao chegar na terra prometida por Deus, sua primeira reação não foi pesquisar os derredores, construir uma moradia permanente ou estabelecer contato com as tribos locais, mas adorar ao Senhor. Lemos que ele edificou um altar ao Senhor, depois moveu-se para uma montanha onde edificou um segundo altar a Deus (Gn 12:7,8). Seu desejo mais profundo era adorar ao Senhor.

Somos criados para a adoração. Adorar é um resultado direto da fé e parte essencial da vida cristã. Jesus nos ensina dizendo: “Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus” (Jo 4:22). Ele está afirmando que a adoração cristã não é mecânica, um conjunto de ritos e frases sem significado e sem relacionamento. Está também afirmando que a adoração cristã não é agnóstica, um conjunto de valores e práticas construídos sem convicção e sem fé. E deixa claro que a adoração cristã se dá por meio de Cristo, pois “a salvação vem dos judeus”. Jesus fala de si mesmo. Somente em Cristo é possível conhecer a Deus e, conhecendo, adorá-lo.

A primeira vez que o termo ‘adoração’ surge na Bíblia é em Gênesis 22:5 quando Abraão foi orientado pelo Senhor a sacrificar o seu próprio filho, Isaque: “E disse Abraão a seus moços: Ficai-vos aqui com o jumento, e eu e o moço iremos até ali; e havendo adorado, tornaremos a vós”. A palavra hebraica usada neste texto para adoração (shachah)significa “inclinar-se, prostrar-se”.

É curioso observar que esta expressão surge na Bíblia em um contexto em que não há corais, música, pregações ou ajuntamentos. Há, porém, um altar onde Abraão entrega a Deus tudo o que tem, mesmo aquilo que lhe é mais precioso. Adoração envolve entrega total, fruto da profunda convicção de quem Deus é – fruto da fé.

Fé e missão

O segundo fruto da fé que gostaria de destacar é a missão. Há em toda a Palavra uma forte ligação entre fé e missão, pois à medida que cremos e conhecemos a Deus, somos conduzidos à um profundo desejo de que outros também façam isto.

Hebreus 11:8 nos diz que “Pela fé, Abraão, quando chamado, obedeceu”. A obediência de Abraão não foi resultado de sua preferência pessoal ou qualquer outra motivação, mas um resultado da fé. Isto acontece porque a fé nos leva ao desenvolvimento de uma consciência profunda de propósito. Somos chamados por Deus para servir a Deus e cumprir a vontade de Deus para a glória de Deus.

Lembre-se que Abrão foi abençoado para abençoar. No chamado de Deus, em Gênesis 12, o Senhor inicia com uma promessa: “… de ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome”; e completa com uma ordem: “sê tu uma bênção!” (v.2). Somos abençoados para abençoar.

Lembre-se também que ao chegar na terra prometida, ele construiu altares e “invocou o nome do Senhor” (Gn 12:8). Certamente aquela era a primeira vez que o nome de Deus era invocado naquela terra e é coerente pensar que os povos que ali habitavam estavam observando de perto os forasteiros recém-chegados. A palavra ‘invocar’ neste texto (qara) significa proclamar, falar alto ou gritar. Assim sendo, o ponto alto das ações de Abrão foi levantar altares e invocar de forma pública, clara e alta o nome do único Deus. Que grande testemunho!

A verdadeira fé nos conduz à verdadeira missão. Um povo que crê em Deus é um povo que declara o seu nome por toda a terra.

Somos, assim, chamados para ser sal que salga e luz que brilha em nossa casa, na roda de amigos, na universidade, no local de trabalho e na vizinhança. Também somos chamados a fazer Cristo conhecido entre todos os povos da terra. Seja do outro lado da rua ou do outro lado do mundo, a igreja de Cristo foi chamada por Deus para lançar todas as sementes e cumprir a missão.

Gisbertus Voetius, teólogo reformado holandês do século 17, reconhecido como o primeiro missiólogo protestante, afirma que a igreja de Cristo é vocatio et missio – chamada e enviada. Ele advoga que a igreja de Cristo é chamada por Deus em Cristo Jesus para a salvação; e enviada por Deus em Cristo Jesus para a missão. E completa afirmando que, “… se é igreja, é missionária”.

Que esses dois frutos da fé – adoração e missão – possam encontrar lugar em nossas vidas para a glória do Senhor Deus. Missão existe para que haja adoração; e a adoração é o resultado pleno da missão.

Ronaldo Lidório é pastor presbiteriano e missionário (APMT / WEC) entre povos menos evangelizados no mundo.

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