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Enquanto Jesus não vem

O apóstolo João viu Jesus. Viu-o no dia a dia do discipulado. Testemunhou quando o Mestre curou cegos, aleijados e leprosos. Presenciou a libertação de endemoninhados, a multiplicação de pães e peixes e a transformação de água em vinho. Viu-o transfigurado. Ouviu suas palavras de vida eterna.

João o viu ao debruçar-se sobre seu peito na mais longa das noites. Viu-o preso e crucificado. Viu e ouviu-o encarregá-lo do cuidado de Maria. Viu-o morto na cruz.

Jesus avisara seus discípulos que ressuscitaria, mas a espera até o terceiro dia pareceu uma eternidade. Quando o Mestre afinal se colocou entre eles o impacto foi indescritível. Então, com seus companheiros, João outra vez viu Jesus. “Vimos a sua glória”, escreveria ele mais tarde, “glória como do unigênito do Pai”.

Parece que João viu tudo o que esperava. Mas não foi assim. Aliás, desde o começo da história humana, o povo temente a Deus creu que veria cumpridas as promessas divinas. Mas também não foi sempre assim.

Eva ouviu que sua semente derrotaria o inimigo. Supôs que Caim era o cumprimento, mas não foi. Seu primogênito esteve mais para agente de Satanás, conspirando contra a promessa. Eva não viu o que fora prometido.

Abraão e Sara foram incluídos por Deus em uma aliança graciosa. O casal ouviu que teria incontáveis descendentes. Os velhinhos até que se esforçaram para cooperar, mas não viram o cumprimento da promessa pactual. Só viram Isaque.

Moisés foi treinado para conduzir Israel a Canaã, mas só chegou às planícies de Moabe. Davi recebeu a promessa de um reino eterno, mas o que viu foi a chegada de seu próprio fim. Salomão ficaria em seu lugar. Moisés e Davi não viram o cumprimento da promessa. Os componentes da galeria da fé de Hebreus 11 “(…) morreram na fé, sem ter obtido as promessas; vendo-as, porém, de longe, e saudando-as, e confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra”.

João viu Jesus e em Apocalipse ele registrou sua última visão do Senhor. A descrição deixa claro que não foi uma repetição do que ele vira antes. João viu “no meio dos candeeiros, um semelhante a filho de homem”. A linguagem em Apocalipse apresenta o Todo Poderoso Senhor da Igreja, o que anda entre os candeeiros e os tem em sua mão. João, porém, continuava marcado por suas limitações humanas. Ainda aguardava a visão final. João ainda contemplaria o Senhor na glória.

Há muito que esperamos ver ao longo da vida. Há conquistas que almejamos, vitórias que buscamos. Vezes sem conta, o que nos parece garantido não vem. Ou o que mais detestamos em nós mesmos se manifesta. Vezes sem conta, quanto mais sabedores somos do nosso dever, mais distantes do seu cumprimento ficamos, e não só distantes, senão até opostos a ele. Não vemos o que buscamos.

A chegada de um novo ano tem sido aproveitada por muitos como oportunidade para refletir sobre sua jornada. Os planos sem Deus, porém, são vazios e fadados, não a serem realizados na eternidade, mas a fracassar. Repensando a vida após um paganíssimo reveillon, um antigo grupo pop cantava: “Parece-me agora / que os sonhos que tínhamos antes / estão todos mortos, nada mais / do que confete no chão (…).

Veremos ao longo de nossa existência o cumprimento de algumas promessas divinas, a começar pela confortadora promessa de Jesus, de que estará conosco todos os dias. Sua fidelidade nos preserva e olhamos com confiança para o dia em que o Senhor retornará para nos buscar, ou quando seremos chamados à sua presença. Então o veremos como ele é. Não restará promessa por cumprir.

Enquanto isso, planejamos e oramos. Trabalhamos e esperamos.

Feliz ano novo!

Editorial do Jornal Brasil Presbiteriano, Ano 63 nº 806 – Janeiro de 2022

O Rev. Cláudio Marra é o Editor-chefe da Editora Cultura Cristã e professor do Seminário JMC.

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