Temos acompanhado a calamidade que o Rio Grande do Sul tem vivido com angústia e tristeza. Enviamos sondas para o espaço, para outros planetas, desenvolvemos tecnologias jamais imaginadas há algumas décadas, seja na medicina, no entretenimento ou na ciência, mas não conseguimos controlar a chuva. Não fazemos a chuva e não podemos impedi-la. Deus é quem comanda absolutamente sobre todos os elementos: “quando determinou leis para a chuva e caminho para o relâmpago dos trovões” (Jó 28.26); e também: “Porque ele diz à neve: Cai sobre a terra; e à chuva e ao aguaceiro: Sede fortes.” (Jó 37.6; Sl 135.7; 147.8; Is 30.23; Jr 5.24; Tg 5.18). Nós, como expectadores da tragédia ficamos impotentes e em nossa limitação levantamos clamores a Deus, “mas, se ele resolveu alguma coisa, quem o pode dissuadir?” (Jó 23.13).
A pergunta que perturba a muitos é “por quê?” Algumas respostas têm sido sugeridas, e uma das que mais se ouve é: porque os gaúchos estão em pecado, idolatria e espiritismo. Tem muitos profetas de plantão e intérpretes do mundo prontos para dar resposta para tudo. Somos rápidos em assumir a capa de juízes e emitir nossas sentenças sobre as coisas, e ainda nos sentimos sábios ao fazer isso. Conhecendo esta presunção da natureza humana, o Senhor Jesus comentou a respeito de duas tragédias – obscuras para nós –, que era de conhecimento comum para os discípulos, isto é, quando Pilatos assassinou galileus enquanto ofereciam sacrifícios e a torre de Siloé, que desabou e matou 18 judeus (leia Lucas 13.1-5). Sobre as duas tragédias o Senhor questiona: vocês pensam que eles eram mais pecadores por terem sofrido estas coisas? Logo em seguida ele mesmo responde as duas questões, dizendo: “Não eram, eu vo-lo afirmo; se, porém, não vos arrependerdes, todos igualmente perecereis.” (Lc 13:3,5).
Nesta resposta o Senhor fornece duas explicações: Primeiro, aquele que morre na flor da idade, ou de modo doloroso não é mais pecador do que aqueles que morrem pacificamente. Se fosse assim o que diríamos dos profetas que foram serrados pelo meio, ou apedrejados (Hb 11.37), ou dos cristãos no 1º século queimados em estacas e devorados por feras? É possível que o justo morra sofrendo, enquanto o ímpio repousa em berço esplêndido. A aparência deste mundo engana. Se Deus está nos poupando de nossas falhas, não deveríamos usar disso como sugestão de que as nossas vidas estão sob a inteira aprovação de Deus; muitos estão “dormindo serenamente em meio aos seus pecados”, comenta Calvino. Segundo, toda calamidade deve nos colocar em profundo temor e nos confrontar quanto à nossa própria condição – “… se não vos arrependerdes…”. O fato concreto é que dentre um universo imenso de pecadores, Deus seleciona uns dentre outros para exibir seus juízos, a fim de revelar o que aguarda a todos os que não se arrependerem, “pois, quando Deus disciplina alguém diante de nossos olhos, ele nos adverte de seus juízos, para que cada um de nós examine a si próprio e considere o que realmente merece.” (Calvino).
Não somos impedidos de interpretar os acontecimentos do mundo, mas somos prevenidos a nos manter sob humilde meditação, para que não nos exaltemos e nem julguemos precipitadamente. Quanto a nós façamos o seguinte: 1) confessemos os nossos próprios pecados diante de Deus, pois ele vem julgar a terra e julgará o mundo com justiça (Sl 96.13); 2) vamos sofrer com os que sofrem (Rm 12.15; Tg 5.13). Julgar nos faz apáticos e endurecidos com a dor dos outros, e assim nos esquecemos que todos compartilhamos das mesmas misérias. O juízo final cabe a Deus, e enquanto isso não acontece, a igreja, neste mundo, acolhe, compartilha, doa, favorece com toda compaixão e piedade (Pv 31.9; Is 1.17; 58.7; Mt 25.35; Rm 12.13; Hb 13.2).
Mauro Filgueiras Filho é ministro da Igreja Presbiteriana do Brasil e, ao longo de seu ministério, tem colaborado ativamente com a Editora Cultura Cristã como revisor e autor de lições para a escola dominical. Ele é graduado em Teologia pelo Seminário Rev. José Manoel da Conceição (2002), Mestre em Exegese do Novo Testamento pelo Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper (2009) e Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2012).