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Diáconos cheios de sabedoria

Definição do diaconato

     Os diáconos são homens “constituídos pela Igreja para distribuir esmolas e cuidar dos pobres, como seus procuradores”, resume Calvino.[1] Analisando Atos 6, Calvino diz na primeira edição da Instituição (1536): “Vede aqui o ministério dos diáconos: cuidar dos pobres e ajudar-lhes. Daqui lhes vem o nome; e por isso são tidos como ministros”.[2]

     O Art. 53 e alíneas da Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil (CI/IPB) (1950), apresenta uma definição que segue a mesma linha bíblica de Calvino. Porém, amplia a sua função, adaptando-a às necessidades da Igreja no Brasil:

Art. 53 – O diácono é o oficial eleito pela Igreja e ordenado pelo Conselho, para, sob a supervisão deste, dedicar-se especialmente:

a) à arrecadação de ofertas para fins piedosos;

b) ao cuidado dos pobres, doentes e inválidos;

c) à manutenção da ordem e reverência nos lugares reservados ao serviço divino;

d) exercer a fiscalização para que haja boa ordem na Casa de Deus e suas dependências.

A sabedoria como requisito para o diaconato

     Devemos observar que os requisitos para o diaconato e para o presbiterato são, em geral, exigências comuns aos membros da Igreja. Isto aponta para a seriedade proposta para a vida cristã.

     No entanto, devemos estar atentos para o que foi destacado por Miller (1769-1850):

Todos esses requisitos são muito mais importantes e exigidos num grau muito mais elevado daqueles a quem se confiou a inspeção e supervisão espirituais da igreja. Assim como ocupam lugar de maior honra e autoridade que o dos outros membros da igreja, detêm do mesmo modo uma posição de muito maior responsabilidade.[3]

     Entre os princípios estabelecidos para a eleição de diáconos, os apóstolos prescrevem: “Escolhei dentre vós sete homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria (sofi/a) (At 6.3).

     Os diáconos deveriam ser cheios do Espírito e de sabedoria. A sequência é essa mesma. Se os diáconos buscassem sabedoria por si mesmos, sem a direção do Espírito, certamente se secularizariam e cairiam em armadilhas tais como: olhar o diaconato como um estorvo ou uma fonte de lucro. Tentariam transformar a igreja em uma empresa rentável a qualquer preço, se prenderiam a estatísticas, tráfico de influência, etc.

     Somente pela Espírito poderemos ter a genuína sabedoria espiritual para atuar com discernimento na execução de nossas vocações.

     A sabedoria tem pouco ou nada a ver com conhecimento meramente intelectual. Aliás, o conhecimento sem sabedoria, pode ser extremamente perigoso. Hoje temos um acesso inimaginável às informações que, jamais poderíamos pensar há alguns anos. No entanto, nem por isso, temos sido mais sábios no uso desses recursos. A sabedoria concedida por Deus nos permite ir além da mera aparência, discernindo as estruturas ocultas do que se mostram apenas superficialmente.

Os diáconos precisariam ter a sabedoria concedida pelo Espírito para saberem como resolver os problemas que já existiam e outros novos, que não tardariam a aparecer na igreja. A fonte da sabedoria está em Deus (Rm 11.33; 1Co 1.21).

Os diáconos, portanto, deveriam ter a sabedoria do alto (Tg 1.5-6/Ef 1.17)[4] para seguirem os melhores meios para atingir os fins mais nobres de sua vocação. Somente o Deus perfeitamente sábio pode lhes conceder sabedoria.

     Sem esta sabedoria possivelmente a sua constituição seria um problema que sobrecarregaria ainda mais os apóstolos.

     A delegação de poderes visa facilitar o processo dando-lhe maior fluidez e eficiência. Quando isso é concedido a um grupo imaturo espiritualmente, arrogante e sem discernimento, pode complicar ainda mais a resolução dos problemas apontados. A precipitação na eleição de oficiais, certamente contribuirá para maiores dificuldades no seio da igreja. É preciso cautela, oração e submissão aos preceitos de Deus.

     Se os diáconos não tivessem certa autonomia para resolver as questões, valendo-se da sabedoria divina, seriam, na realidade, mais um peso do que ajuda. Se, por exemplo, houvesse entre eles disputas e partidarismo, a igreja estaria já no seu início organizacional em sérias dificuldades.

     Isto serve de alerta para nós. É melhor não promover a eleição precipitada de diáconos, presbíteros ou de quem quer se seja, se não tivermos homens capazes e dispostos a submeterem os seus corações e mentes a Deus.

     Também, de forma geral, contra uma prática não tão estranha em alguns grupos, não devemos oferecer cargos a pessoas apenas para “segurá-las” na igreja. As consequências de tal comportamento podem ser muito graves para o Reino de Deus.

     Considerando que todo o conhecimento e sabedoria residem em Cristo de forma plena (Mt 12.42; 1Co 1.24;30; Cl 2.2-3),o diácono, como todo crente, deve se tornar um assíduo leitor das Escrituras, rogando a Deus o discernimento para entender as sábias palavras do Senhor e poder aplicá-las às situações concretas de sua vida e ofício, seguindo as pegadas de Cristo.[5]

     A obediência é a fé manifestada. A fé é a obediência oculta. Nada que seja circunstancialmente bom e agradável pode ser essencialmente bom se consistir em atitudes e comportamentos que desobedeçam a Deus. A sabedoria, portanto, consiste em obedecer a Deus.

     Ainda que Deus em sua revelação seja a única fonte de nosso conhecimento: toda verdade parte dele.[6] As Escrituras, como Revelação Especial, não se constituem na única fonte de nosso conhecimento – afinal a Revelação Geral também parte de Deus e é tão infalível quanto aquela[7] – porém, elas conferem sentido e corrigem os nossos conhecimentos que além de limitados e parciais, tendem a ser mal utilizados pelo fato de sermos pecadores e tendermos a querer ter um conhecimento autônomo.[8]

     Obedecer as Escrituras sempre é um ato de fé em meio a outras cosmovisões concorrentes que querem nos dizer que as suas percepções e conclusões estão certas e que a Palavra de Deus está errada.[9]

     Somente pela Escritura podemos ter o conhecimento adequado de todas as coisas. A Escritura não é um manual de ciência, contudo nela encontramos o sentido de todas as coisas. Sem as Escrituras o nosso conhecimento por mais completo que seja será sempre inadequado.

     Van Til (1895-1987) escreveu com pertinência:

Não há nada neste universo sobre o qual os seres humanos possam ter informação completa e verdadeira, exceto se levarem a Bíblia em consideração. Não queremos dizer, é claro, que alguém deve recorrer à Bíblia, em vez de ir ao laboratório, se pretende estudar a anatomia de uma serpente. Mas se alguém vai apenas ao laboratório, e não também à Bíblia, não terá uma interpretação correta, ou mesmo verdadeira, acerca da serpente.[10]

Sabedoria & Temor do Senhor

     O salmista diz que “O temor (ha’r>yI) (yir’ah) do SENHOR é o princípio da sabedoria; revelam prudência todos os que o praticam. O seu louvor permanece para sempre” (Sl 111.10). O temor o Senhor (Sl 19.9) ressalta a resposta humana propiciada pela Palavra.[11] Ele é adquirido mediante o estudo piedoso da Lei. O objetivo de Deus por meio de sua Palavra é que sejamos conduzidos ao seu temor em obediência e amor[12] (Dt 31.11-12).[13]  Devemos, não simplesmente temer o castigo de Deus, antes temer pecar contra Deus, o nosso Santo e Majestoso Senhor.

     Portanto, o princípio da sabedoria está em temer a Deus. A partir daí, todas as coisas ganham sentido dentro de sua realidade própria conferida e sustentada pelo próprio Deus.

     Por meio deste princípio orientador e regulador temos os nossos olhos abertos para as maravilhas de Deus. Longe de ser algo inibidor, é libertador de uma visão míope e cativa de sua percepção enferma. “Temer a Deus não é o fim da sabedoria, mas o começo. Uma pessoa que teme a Deus pode se abrir para as alturas vastas e vertiginosas do conhecimento. Aqueles que ‘praticam’ esse temor de Deus podem ter um ‘bom entendimento’ de tudo”, interpreta Veith, Jr.[14]

     O diácono deve ser um homem temente a Deus. Ele atenta para a sua Palavra e busca “ciência na Palavra do Senhor”. Esta é a sabedoria bíblica.

     Destaco mais um ponto: O diaconato não é um estágio para o presbiterato. São ofícios diferentes. Os diáconos precisam já terem demonstrado em sua vida, a sabedoria própria do Espírito de Deus. Certamente, no exercício de seu ofício ele será moldado pela graça. Porém, as Escrituras prescrevem a sabedoria do alto, que já deve ter sido demonstrada na vida do diácono, como sendo um critério necessário para o exercício desse importante ofício.

Maringá, 29 de abril de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

Integra a Equipe de Pastores da Primeira Igreja Presbiteriana em São Bernardo do Campo, SP.


[1]João Calvino, As Institutas (2006), IV.3.9.

[2]Juan Calvino, Institución de la Religión Cristiana, (1536),  Buenos Aires; México: La Aurora; Casa Unida de Publicaciónes, (Obras Clasicas de la Reforma, v. 15 e 16), (1958),  T. 2, p. 102. Veja-se também, As Institutas, IV.3.9.

[3]Samuel Miller, O Presbítero Regente: Natureza, Deveres e Qualificações, São Paulo: Os Puritanos, 2001, p. 38.

[4]5Se, porém, algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e nada lhes impropera; e ser-lhe-á concedida. 6Peça-a, porém, com fé, em nada duvidando; pois o que duvida é semelhante à onda do mar, impelida e agitada pelo vento” (Tg 1.5-6). “Para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele” (Ef 1.17).

[5] “Segui-lo, portanto, é a única maneira sábia de viver. Nós florescemos como seres humanos quando seguimos o caminho de Deus, não nossas próprias invenções” (Vern S. Poythress, O Senhorio de Cristo: servindo o nosso Senhor o tempo todo, com toda a vida e de todo o nosso coração, Brasília, DF.: Monergismo, 2019, p. 44).

[6]“Visto que toda verdade procede de Deus, se algum ímpio disser algo verdadeiro, não devemos rejeitá-lo, porquanto o mesmo procede de Deus” (João Calvino, As Pastorais, SãoPaulo, Paracletos, 1998, (Tt 1.12), p. 318).

[7]“A verdade de Deus é única” (João Calvino, As Pastorais,São Paulo: Paracletos,1998, (1Tm 1.3), p. 28).

[8]Referindo-se à tentação de nossos primeiros pais, escreveu Tripp: “A serpente estava tentando fazer com que Eva adotasse uma sabedoria autônoma, isto é, sabedoria que já não dependeria de Deus como sua fonte. Em lugar de a admiração por Deus produzir nela uma submissão à sábia vontade dele, a admiração pela sabedoria independente produziu nela rebeldia conta a vontade de Deus” (P. Tripp, Admiração, São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p. 74).

[9] “O temor de Deus, pois, é muitíssimo raro; e por essa conta o mundo, em sua maioria, continua destituído do Espírito de Conselho e sabedoria” (João Calvino, O Livro dos Salmos,São Paulo: Paracletos, 2002, v. 1, (Sl 25.12), p. 553).

[10]Cornelius Van Til, Apologética Cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 21.

[11]Cf. Derek Kidner, Salmos 1-72: introdução e comentário, São Paulo: Vida Nova; Mundo Cristão, 1980, v. 1, p. 117; James M. Boice, Psalms: an expositional commentary,  Grand Rapids, MI.: Baker Book House, 1994, v. 1, (Sl 19), p. 171.

[12]“O grande fim de toda revelação é inspirar um louvor humilde e reverente a Deus” (John Stott, Salmos Favoritos, São Paulo: Abba Press, 1997, p. 24).

[13]11Quando todo o Israel vier a comparecer perante o SENHOR, teu Deus, no lugar que este escolher, lerás esta lei diante de todo o Israel.  12 Ajuntai o povo, os homens, as mulheres, os meninos e o estrangeiro que está dentro da vossa cidade, para que ouçam, e aprendam, e temam (arey”) (yare) o SENHOR, vosso Deus, e cuidem de cumprir todas as palavras desta lei” (Dt 31.11-12).

[14]Gene Edward Veith, Jr., De Todo o Teu Entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 135.

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