Nossa missão é contribuir para a reforma da igreja no Brasil por meio da literatura

De Traidor a Pastor


(João 21.15-23)

INTRODUÇÃO

Conversas perscrutadoras. O Evangelho de João contém conversas pessoais nas quais Jesus perscruta o coração do seu ouvinte para detectar o que é necessário para a vida do discipulado. Com Nicodemus, Jesus quis averiguar se ele estava disposto a abandonar toda a sua vida pregressa em devoção a Jesus, nascer de novo (Jo 3). Com a mulher samaritana, Jesus estava investigando se ela escancararia o seu pecado passado e presente a fim de se mostrar sedenta de Cristo, a água viva (Jo 4). Com Tomé, Jesus estava sondando o seu interior em busca de fé no Cristo ressurreto (Jo 20) para que ele assumisse a função apostólica de testemunha da ressurreição (At 1.22). O nosso texto base mostra um Pedro no qual Cristo irá perscrutar em busca de amor pastoral.

Conversas transformadoras. Em todas essas conversas, Jesus escancara alguma fraqueza do seu discípulo, mas não para envergonhá-lo e, sim, para transformá-lo. Jesus não quer apenas desnudar o pecador, mas transformá-lo com a sua graça bendita. Tanto é que ele transformou Nicodemus de um simpatizante ‘agente secreto’ (Jo 3.2) em um ousado discípulo no momento mais impopular de Jesus (Jo 19.39). Ele transformou uma mulher de má reputação em uma grande evangelista de sua região (Jo 4.28-30, 39). Jesus transformou o incrédulo Tomé em alguém crente (Jo 20.27-28). E quanto a Pedro, nosso texto revela como Cristo transformou um traidor em um pastor (Jo 21.15-17). É impressionante o que o nosso Cristo é capaz de realizar com essas conversas transformadoras!

Jesus prepara pastores. Nosso texto base é uma narrativa, não é uma epístola na qual seguimos a lógica de raciocínio de um apóstolo. Portanto, vamos olhar para a mesma história com três perspectivas diferentes sobre a maneira como Jesus prepara pastores. Certamente é possível enxergar muito mais do que o Salvador está fazendo na vida de Pedro a partir desse belo texto. Porém, quero ressaltar apenas três atitudes do Salvador que são necessárias nós ouvirmos hoje (nesta formatura) e continuar repetindo em nossas vidas. Temos lições preciosas para a vida destes futuros pastores, mas também para qualquer discípulo de Jesus que cuida de outros discípulos.

1. JESUS PREPARA PASTORES… TRATANDO DO CORAÇÃO

  • Tratamento redentivo envolve expor o coração trôpego. Cristo pergunta a Pedro três vezes acerca do seu amor pelo Salvador e na terceira vez isso machuca o discípulo (v. 17) pela clara associação com as três vezes em que ele negara a Jesus.  Pedro sabe que o Senhor lhe conhece o coração, pois já antecipara sua traição antes da ocorrência. Por isso, Pedro apela para tal conhecimento divino de Cristo para afirmar que o seu amor pelo mestre é genuíno, ainda que frágil. Nas três respostas, Pedro se refere ao conhecimento de Jesus, e na terceira com maior ênfase: “tu sabes todas as cousas, tu sabes que eu te amo” (v. 17). O Salvador estava sondando o seu interior e Pedro não esconde mais sua necessidade dessa sondagem. Jesus produziu em Pedro o que o salmista experimentou, quando inicia o Salmo 139 falando desse Deus que nos sonda e nos conhece com um espanto adorador (v. 1-6) e termina o salmo contrito pois precisa de nova sondagem (v. 23-24). Davi sabia que precisamos ter o nosso Salvador vasculhando o nosso interior a fim de que o nosso coração tema apenas o nome dele (“dispõe-me o coração para só temer o teu nome”, Sl 86.11), ao invés de abrigar múltiplos temores.
    • Aplicação. Estamos em situação semelhante à de Pedro perante o Cristo ressurreto. Precisamos enxergar o nosso pecado, a nossa fraqueza de amor, para que então percebamos como precisamos de pastoreio, e, consequentemente, como outras pessoas precisam de pastoreio. Devemos assumir a função de cuidar de outros não como se fôssemos os mais desprendidos, nem como se fôssemos os mais exemplares, mas como pessoas quebradas pelo pecado, mas que foram tratadas pastoralmente pelo Salvador. Seguir a Cristo é ser cuidado antes do que cuidar, é ser servido antes do que servir, é ser pastoreado antes que pastorear. Precisamos de constante pastoreio – de Cristo, por intermédio do seu povo – para que estejamos aptos a pastorear.
  • Movidos por amor. As três perguntas que Cristo faz são praticamente idênticas: “tu me amas?” Jesus não faz uma sabatina teológica com Pedro, mas investiga o seu amor por seu Salvador pois esta é a questão fundamental no coração de um discípulo prestes a pastorear um rebanho cujo Supremo Pastor estava para subir aos céus. Assim como Davi não é simplista ao pedir “uma coisa” ao Senhor (Sl 27.4) e nem Paulo é reducionista ao resumir a vida cristã como “uma coisa faço” (Fp 3.13), nosso Salvador está focalizando naquilo que é mais importante na vida do seu discípulo/pastor.
    • Aplicação. Semelhantemente, nosso Salvador sonda o nosso coração para detectar se temos o que o pastor precisa ter pelo rebanho: amor. Mas o amor pelas pessoas não é se identificar com elas, pois nossos irmãos podem ser muito diferentes de nós, mas amá-las por serem alvo do amor de Cristo. Por isso, nosso amor por Jesus é a força motriz do pastoreio saudável.
  • Restauração pública. O fato de Jesus tratar do coração do seu discípulo, não significa que esse tratamento é sempre privado (na verdade, as conversas de Jesus sempre tiveram outros presentes). A restauração de Pedro precisava ser pública, pois a soberba e a traição haviam sido evidenciadas em público. João 21 revela que Cristo irá tratar do seu discípulo perante outros discípulos (“amas-me mais do que estes”, v. 15).  A primeira pergunta comparando o amor por Jesus com “estes” que pescavam (Jo 21.2) – isto é, ‘você me ama mais do que eles me amam’ – remonta à alegação soberba de amor superior na presença de outros discípulos (Mt 26.33). Jesus não está interessado em aferir o nível do amor de Pedro e, por isso, a mudança do termo grego para ‘amor’ no verso 17 não significa que Jesus teria rebaixado o padrão.[1]  O que fica claro no texto é que Pedro deve reconhecer a sua fragilidade e mediante sua repetida confissão de amor, seja restaurado perante os seus colegas.
    • Aplicação. A autoridade pastoral precisa ser acompanhada de um humilde reconhecimento de nossa estrutura frágil que funciona como modelo para outros fiéis. Ainda que a Escritura exija que o líder seja modelo na conduta (1 Tm 3.2-3; 4.12), a verdade é que somos chamados a modelar a Cristo para outros enquanto ainda somos falhos. Devemos estabelecer o exemplo não só em momentos de santidade, mas também em momentos de confissão, na maneira como nos apegamos ao evangelho diariamente, reconhecendo nossas transgressões e fragilidades a fim de obter perdão e força do Supremo Pastor. Deus não chamou santos anjos a pastorear o rebanho, mas homens pecadores que se curvaram perante o Salvador. Por quê? Porque pecadores contritos conhecem o caminho para a cruz e podem liderar outros nesse bendito caminho.[2]

2. JESUS PREPARA PASTORES… COMISSIONANDO A DESPEITO DAS FALHAS

  • Vasos quebrados, canais de bençãos. Pedro aprendeu que pastores usados por Cristo são homens falhos, mas que ele trabalha para serem canais de benção. Depois de Pedro ter negado a Cristo e ter voltado à vida comum de pescaria (Jo 21.3), Cristo aparece a ele para purificá-lo. Primeiro Cristo envia notícias de sua ressurreição especialmente a Pedro (Mc 16.7) para em seguida tratar do seu coração num encontro presencial. O Pedro que voltara à vida anterior a Cristo, teria Cristo voltando à sua vida para virar o seu mundo de cabeça para baixo. O mesmo Cristo poderoso que proporcionara uma pesca maravilhosa antes, o faria novamente (Jo 21.6-8), para agora restaurar um coração machucado. Deus estava provendo alimento suficiente, para reconvocá-los à pescaria de homens.  Porém, antes de recomissioná-lo, era necessário tirar do Pedro confissões que remontavam à sua traição.
    • Aplicação. Só o nosso Salvador é capaz de restaurar pessoas tão machucadas pelo seu próprio pecado. Seu poder de pastoreio excede o nosso, pois ele toma vasos quebrados e os recompõem a uma beleza ainda maior do que dantes. Nosso pastoreio provém de sermos refeitos por Jesus Cristo.
  • Um recomeço para Simão. Três vezes Jesus se dirige ao traidor como “Simão, filho de João”, não utilizando o seu novo nome de Cefas/Pedro (Jo 21.15-17). Esse dado não nos é explicado se é positivo ou negativo (narrativas frequentemente não explicam). Todavia, tendo em vista o que Cristo está fazendo com Pedro, parece haver um forte elemento de misericórdia. Jesus não está se distanciando do seu discípulo, ou desconsiderando tudo o que Pedro aprendera ao longo dos três anos juntos, mas está voltando às origens como se quisesse produzir um recomeço (Jo 1.42).  Sua traição fora uma ‘ré’ na trajetória do discipulado. Mas não há pecado capaz de arruinar a obra redentora que ele está produzindo em nós. Portanto, a primeira evidência do perdão de Jesus é ele ter proposto um recomeço.
    • Aplicação. As misericórdias do Senhor também se renovam para nós a cada manhã (Lm 3.22-23). A consciência dessa misericórdia para conosco deve nutrir nosso pastoreio. Nossa misericórdia com ovelhas complicadas será mais fácil se nós entendermos que o nosso Cristo renova suas misericórdias para conosco a cada dia.
  • Comissionamento misericordioso. No entanto, creio que o elemento mais surpreendente na passagem não é o nome utilizado para se dirigir a Pedro, nem a repetição da mesma pergunta de Jesus. O que é mais chocante é a resposta de Jesus à confissão frágil de um traidor. Nas três vezes em que Jesus responde a Pedro, não há repreensão de Cristo, mas o doce comissionamento de cuidar do rebanho de Jesus: “Apascenta os meus cordeiros”, “Pastoreia as minhas ovelhas”, “Apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21.15-17). No momento em que talvez esperaríamos uma lição de Jesus, ou uma disciplina afastando-o do apostolado momentaneamente, Jesus convoca um traidor para ser pastor. Na presença de seus companheiros que dantes o haviam visto Pedro em sua soberba autoconfiança, Cristo não o descarta, como se sua traição o desqualificasse, mas o restaura para que Pedro também seja restaurador de vidas quebradas.
    • Aplicação. É impressionante que Jesus comissione um traidor a ser o pastor das ovelhas que ele comprou com o seu próprio sangue (At 20.28). Mas essa não é a história apenas de Pedro. Nós também no início fomos alvos do seu amor redentor quando éramos inimigos (Rm 5.7-8). E mesmo depois de remidos, continuamos a traí-lo com os nossos amores idólatras. E mediante cada confissão nossa, Jesus nos perdoou e confirmou nosso papel no corpo, assim como Deus manteve Davi no reinado após seu adultério (cf. Sl 51.11; 1 Samuel 16.13-14).
  • Graça triunfante. Jesus anunciou o tipo de morte que Pedro sofreria acompanhado de um chamado para seguir a Cristo (Jo 21.18-19). Utilizando a mesma fórmula solene com a qual Jesus anteriormente antecipara a negação de Pedro (“Em verdade, em verdade te digo…”; Jo 13.38), ele agora prevê a fidelidade até a morte (“Em verdade, em verdade te digo…”; Jo 21.18).[3] Observe como Jesus está antecipando que Pedro não mais naufragaria em seu testemunho de Jesus, mas padeceria a morte de uma testemunha fiel. Isso é tremendamente encorajador para quem havia acabado de negar a Jesus. Cristo estava encorajando a Pedro ao lhe dar vislumbre do futuro suficiente para saber que ele seria fiel até a morte.
    • Aplicação. Quando falamos que Jesus prepara pastores, os comissionando a despeito de suas falhas, não estamos alegando que tais pecados não importam a Deus, como se não fossem problema. Na verdade, ele nos comissiona a despeito do passado vergonhoso, mas sempre com vistas a um futuro de renovação. O mesmo Cristo que antecipou a fidelidade de Pedro promete nos manter consigo até o fim de nossos dias. Infelizmente, pastores naufragam em seus ministérios, mas cristãos nunca naufragam na sua fé (Lc 22.32). Que preciosa a promessa de que iremos terminar bem!
  • Comissionados a alimentar e a guardar. Os verbos utilizados por Jesus a Pedro nos informam sobre as necessidades das ovelhas e o trabalho pastora. Jesus o comissiona a fazer as duas tarefas mais importantes do pastoreio: alimentar e guardar. O reconhecimento de sua fragilidade foi fundamental para Pedro compreender a necessidade do pastoreio na vida de outros fiéis.
    • Aplicação. Ser ovelha é retrato de total dependência do pastor, tanto para comer quanto para se proteger. O pastor está ciente da fragilidade da ovelha e, por isso, os verbos utilizados por Jesus estão relacionados a essas duas atividades pastorais: nutrição e proteção. Sejam pastores que alimentam com o ensino da Palavra e que guardam o seu rebanho de males, tanto de fora como de dentro!

3. JESUS PREPARA PASTORES… CHAMANDO A UMA VIDA DE SOFRIMENTOS

  • O custo do discipulado e a vocação para sofrer. Jesus explicitou a Pedro o custo que ele teria para seguir o Cristo. Jesus antecipa o tipo de morte pelo qual Pedro haveria de glorificar a Deus, e isto envolvia perder sua liberdade por amor de Jesus (Jo 21.18-19). Como Pedro estava sendo convocado a pastorear as ovelhas de Cristo, ele precisaria dar a sua vida pelas ovelhas em imitação ao Bom Pastor (Jo 10.11, 15). Dantes Pedro achara que estava pronto para tal sacrifício (Jo 13.37), mas Jesus já lhe dissera que esse caminho seria trilhado por Jesus primeiro e só depois é que Pedro estaria apto a caminhar por ele (Jo 13.36).[4] Interessantemente, logo após essa profecia, Jesus o exorta: “Segue-me” (v. 19). Jesus estava comissionando Pedro a um discipulado que redundaria em martírio. E quando Pedro questiona sobre João, se ele também seria martirizado, Jesus não satisfez a curiosidade de Pedro – como se dissesse ‘não é da sua conta’ –, mas simplesmente o convocou segunda vez a segui-lo: “Quanto a ti, segue-me” (Jo 21.22). Chegaria o momento em que Pedro glorificaria a Deus com a sua morte (Jo 21.19).[5] Essa ligação entre sofrimento e glória ficaria bem clara para Pedro (1 Pe 1.6-8; 4.13-16; 5.1). O Livro de Atos revela que os apóstolos aprenderam que vale a pena gastarem-se pelo evangelho (cf. At 20.24), e até se regozijaram pelo fato de serem considerados dignos de sofrer pelo nome de Jesus (At 5.41).
    • Aplicação. Existe algo contraintuitivo acerca do evangelho, de que a vida de sofrimento por Cristo seja chamada de ‘boa nova’. Porém, somos chamados a uma trajetória de humilhação nesta vida antes de nossa exaltação, assim como ocorreu com Cristo. Isto é, se somos seguidores de Jesus, existe uma emulação de sua trajetória de humilhação e exaltação. Abracemos toda a trajetória como parte da vida cristã e, de forma bem particular, como parte do ministério pastoral. Precisamos crer que o custo é pequeno em troca da glória a ele associada, o ganho é muito maior do que a perda (Mc 10.28-30).
  • Destinos diferentes a um discipulado sacrificial. A resposta de Pedro foi perguntar o que aconteceria com João, o discípulo amado, já que João respondera ao chamado de seguir. Jesus impediu a Pedro de saber o exato percurso do discipulado de João, se passaria por morte angustiante ou não (Jo 21.20-23). Além de estabelecer caminhos diferentes de discipulado sacrificial,[6] Jesus está chamando o apóstolo Pedro a uma vida de sofrimento por amor a Cristo. Vemos que Jesus está repreendendo Pedro por deixar com que a curiosidade sobre o futuro ganhe o lugar do discipulado. Pedro estava mais interessado em saber o destino de João do que em seguir a Jesus e exatamente nisso é que ele é repreendido. Jesus chamou Pedro a segui-lo para uma vida sacrificial, de sofrimento e morte (Jo 21.18-19),[7] algo que Jesus disse que talvez poupasse a João de passar (Jo 21.21-23). Historicamente, ambos foram alvo de perseguição, mas ao que parece João foi poupado de morrer enquanto Pedro não o foi. Isso ilustra que Jesus estava preparando Pedro para um tipo de perseguição que outros discípulos não passariam; isso seria útil para encorajar futuros seguidores de Jesus que sofreriam, como ele o faz em sua primeira carta.
    • Aplicação. Quando compreendemos a nossa vocação para sofrermos, ainda que sejam diferentes tipos de sofrimentos que teremos, ficamos mais preparados para enfrentar os dissabores do pastoreio (apostasia, traições, divisões, acusações, etc.). Independente do tipo de sofrimento, todos somos chamados a imitar a mansidão de Cristo em meio ao sofrimento injusto. Antes que defensores de nossos direitos, abraçamos o ministério em Cristo e os sofrimentos decorrentes dessa função ministerial.

CONCLUSÃO

Gostaria de concluir demonstrando que o apóstolo aprendeu as lições que o seu Salvador lhe ensinou naquela conversa registrada no final do Evangelho de João. Na Primeira Epístola de Pedro temos orientações do apóstolo que se assemelham a essas lições acima traçadas. Em primeiro lugar, vemos um Pedro que assume tratar do coração de outros quando estimula os presbíteros quanto às motivações que nos levam ao ministério: “pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer; nem por sórdida ganância, mas de boa vontade; nem como dominadores dos que vos foram confiados, antes, tornando-vos modelos do rebanho.” (1 Pedro 5.2-3). Observe como Pedro não chama a atenção para dons ou atividades, mas para motivações internas. Ele está tratando do coração de seus leitores presbíteros.

Em segundo lugar, vemos um Pedro que fala de amor cobrindo pecados de outros irmãos (1 Pe 4.8) e logo em seguida convoca todos a servirem uns aos outros (1 Pe 4.9-11). Não há distinção entre os que pecam e os cobrem tais pecados com amor, pois o amor é mútuo – todos precisamos ser tratados não segundo os nossos pecados, mas segundo o amor intenso. Assim como o amor de Cristo cobrira os pecados de Pedro e o Salvador sondara o coração do discípulo para ver se havia amor, Pedro também coloca o amor como requisito do serviço daqueles que são comissionados a ministrar. Além disso, Pedro garante que seremos guardados pelo poder de Deus até o fim (1 Pe 1.3-9).

Em terceiro e último lugar, vemos um Pedro que incorpora a verdade de que somos chamados para o sofrimento (1 Pe 2.20-21) e utiliza trechos de Isaías 53 não para falar da obra expiatória de Cristo – a qual é singular, inimitável –, mas para falar da postura mansa com a qual Cristo sofreu, sempre submetendo à vontade e juízo do Pai (1 Pe 2.22-25). Pedro convoca os seus leitores a trilhar o caminho de humilhação.

Se Pedro aprendeu essas lições de Jesus e nos convoca a apreendê-las, então termino convocando-os a abraçar o ensino de Jesus. Os anos no seminário foram apenas o primeiro estágio de preparação para o ministério. Sejam ensináveis para que o “Supremo Pastor” (1 Pe 5.4) continue a lhes moldar ao longo dos anos.


[1] No texto grego, as duas primeiras vezes em que Jesus pergunta ‘tu me amas’ ele utiliza o verbo agapao enquanto Pedro sempre responde com outro verbo para amor (phileo); na terceira pergunta, Jesus muda o verbo para phileo. Há muitos que tomam essa diferença terminológica como se ela representasse uma diferença teológica, como se o termo agapao representasse um amor mais sublime enquanto o verbo phileo fosse típico de um amor fraternal mais fraco. Todavia, a grande maioria dos comentaristas rejeita essa distinção entre tipos de amor com base na diferença de palavras. Há várias razões para essa recusa: o próprio Evangelho de João utiliza os dois termos intercambiavelmente para falar do amor de Jesus pelos discípulos (15.9; 16.27; 11.3, 5) e pelo discípulo amado (20.2; 13.23), assim como do amor dos discípulos por Jesus (8.42; 16.27); há outros pares de palavras no texto (duas para pastorear; duas para o rebanho) que não suscitam a mesma inventividade homilética – afinal, retratam apenas repetição com outras palavras, ao invés de distinção; o termo agapao nem sempre representa o amor sublime por Deus, como alguns argumentam (2 Tm 4.10). Cf. RIDDERBOS, Herman. The Gospel of John: A Theological Commentary, trans. John Vriend (Grand Rapids: Eerdmans, 1997), p. 665-666; CARSON, D. A. The Gospel According to John, The Pillar New Testament Commentary (Leicester/Grand Rapids: Apollos/Eerdmans, 1991), p. 676-677.

[2] Sou grato ao meu amigo, Dale Van Dyke, por esse insight.

[3] RAMSEY, J. Michaels. João, Novo Comentário Bíblico Contemporâneo, trad. Oswaldo Ramos (São Paulo: Vida, 1994), p. 370.

[4] O risco de seguir a Jesus não diminuíra desde a conversa de João 13, mas o caminho que Pedro teria que trilhar já havia sido desbravado por Cristo, o qual saíra vitorioso do outro lado. Herman Ridderbos julga que a profecia do verso 18, num certo sentido, explica tudo o que precede na conversa entre Jesus e Pedro. Mais até do que uma retratação de Pedro, e muito menos envergonhá-lo diante de outros discípulos, Jesus, na verdade, quer reforçar sua ligação com Pedro em preparação para o que lhe espera: o martírio em serviço ao Senhor. RIDDERBOS, The Gospel of John, p. 667, 668.

[5] Carson afirma que Pedro imitaria a Cristo não somente no tipo de morte que sofreria (cf. 12.33; 18.32), mas também  ao trazer glória a Deus pela sua morte (12.27-28; 13.31-32; 17.1), embora em escala menor. CARSON, The Gospel According to John, p. 679-680.

[6] J. Michaels Ramsey afirma que esse texto “dramatiza o fato de que há mais de um modelo de verdadeiro discipulado… O discipulado implica um nível específico de fidelidade, não, porém, um final específico para a vida do discípulo”. RAMSEY, João, p. 371, 372. D. A. Carson escreve: “Um deles pode ser chamado para o ministério pastoral estratégico (v. 15-17) e uma coroa de mártir (v. 18-19), e o outro a uma longa vida (v. 22) e para o testemunho histórico-teológico estratégico, em forma escrita (v. 24).” CARSON, The Gospel According to John, p. 681.

[7] O modo pelo qual Pedro morreu foi relatado pelos pais da Igreja como segue. Tertuliano: “Em Roma, foi Nero quem primeiro manchou de sangue essa fé ascendente. Então Pedro foi cingido por outro quando ele foi pregado na cruz” (Antídoto para a picada do escorpião XV). Cf. também Orígenes (Contra Celso II, xlv). Eusébio: “Mas Pedro parece ter pregado no Ponto e na Galácia e na Bitínia e na Capadócia e na Ásia, aos judeus da Dispersão; e, por último, tendo ido a Roma, ele foi crucificado de cabeça para baixo, pois assim ele mesmo pediu para morrer” (História Eclesiástica III, i). Apud HENDRIKSEN, William, João, trad. J. L. Hack (São Paulo: Cultura Cristã, 2014), p. 821.

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