Richard D. Phillips
“E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai.” (Jo 1.14).
Quando Jesus assumiu a nossa carne, ganhou um corpo humano, que lhe permitiu sofrer a morte por nós. Jesus também tinha mente e coração humanos: sentiu tudo que sentimos, incluindo tristeza e alegria, cansaço e tentação. Por causa disso, ele é capaz de se solidarizar conosco em nossas tentações (Hb 4.15). Acima de tudo, Jesus viveu uma vida humana no mesmo mundo em que vivemos. Ele nasceu e cresceu como um menino. Aprendeu um ofício na oficina de carpintaria de seu pai. Teve amigos e vizinhos. “Vejam, dorme em uma manjedoura/Aquele que construiu um firmamento de estrelas… Desceu do paraíso supremo para um mundo como este.”1 Jesus é um exemplo da verdadeira natureza humana que devemos seguir porque ele viveu verdadeiramente como nós vivemos.
João descreve a encarnação de Cristo dizendo que Jesus “habitou entre nós” para que “víssemos a sua glória” (Jo 1.14). Em grego, a palavra que significa habitar é melhor traduzida por acampar; forma verbal do substantivo que designa tabernáculo, que era a tenda de encontro durante o jejum no êxodo de Israel. Essa descrição se relaciona não apenas com a glória divina de Jesus, mas também com sua glória como homem verdadeiro na encarnação. Deus concedeu o tabernáculo como forma de permitir que a sua glória habitasse entre o seu povo e viajasse com ele, e essa é a razão pela qual Jesus se tornou homem e veio à Terra. Mais do que tudo, o tabernáculo tinha aparência humilde: uma estrutura de lona com cerca de 15 metros de comprimento por 5 metros de largura, não tinha nem um pouco do apelo visual das pirâmides do Egito ou dos zigurates da Babilônia. Da mesma maneira aconteceu com Jesus. O hino de Natal diz: “E entre os homens, encarnado, Deus conosco se mostrou”.2 A. W. Pink destaca: “Ele veio, sem a companhia de nenhuma comitiva de anjos. Para um inacreditável espanto de Israel, ele não tinha forma ou beleza; e quando eles o olharam, seus olhos impuros não viram nele beleza que pudessem desejar”.3
Então, que glória João tinha em mente quando falava do Cristo encarnado, “para que víssemos a sua glória” (Jo 1.14)? Os teólogos oferecem respostas diferentes. Alguns pensam que isso se refere à transfiguração, em que Jesus foi revelado em pleno esplendor no monte diante de três de seus discípulos. Isso foi com certeza uma exibição de glória, mas o fato que João omite isso de seu evangelho sugere que ele tem outras coisas em mente. Outros indicam os milagres de Jesus: suas curas, sua capacidade de alimentar milhares com uns poucos peixes e pães e mesmo seu poder de levantar os mortos. João nos diz que seus milagres manifestaram sua glória (Jo 2.11), mostrando seu poder divino e sua sublime compaixão. João dedica a primeira metade de seu evangelho a apresentar o que foi chamado de Livro dos Sinais, isto é, um registro dos milagres que indicavam a glória de Cristo.
Mas há outra resposta a essa questão sobre a glória de Cristo. Jesus nos mostrou a sua glória como um homem real, por meio de sua vida servil, obediente e humilde. Para nós, uma pessoa gloriosa é aquela que se sobressai nas multidões, ascendendo a uma posição de riqueza e importância. Mas Jesus nos mostrou uma glória humana superior. Embora ele tivesse o poder de criar galáxias, nasceu em circunstâncias humildes. Partiu seu coração quando chorou por Jerusalém. Permitiu que seu corpo fosse surrado e que suas mãos e pés fossem pregados a uma cruz por seres que ele criara, e também deu sua vida para que pudéssemos viver.
A verdade é que, de um ponto de vista humano, Jesus não foi muito glorioso. Teve seus momentos, mas o que ele realizou? Leon Morris avalia as realizações terrenas de Jesus: “ele pregou para algumas pessoas em uma província distante de um império antigo desaparecido há muito tempo. Mesmo ali, ele não estava sempre na capital, centro das atenções, mas em alguma região remota do país. Ensinou algumas pessoas, reuniu alguns discípulos, fez alguns milagres, levantou um grande número de inimigos, foi traído por um seguidor próximo e negado por outro, e morreu na cruz. Onde está a glória disso?”.4
Tendemos a pensar que a glória requer a pompa e o brilho deste mundo – medalhas de ouro, troféus, grandes portfólios de ações e casas suntuosas. Mas Deus nos mostra, por meio de Jesus, que a verdadeira glória não é assim; ela não depende de pompa ou exibicionismo, a verdadeira glória está no humilde serviço de devoção a Deus. Essa é uma indicação do caminho de glória que os cristãos devem reconhecer e perseguir. O que dará significado à sua vida? É a fama e a fortuna insatisfatórias e fugazes como são?
A encarnação de Jesus diz que nós também podemos levar uma vida de glória. Não detemos o seu poder divino de realizar milagres, embora tenhamos grande poder por meio das orações feitas em nome de Jesus. E por meio do Espírito Santo, enquanto Cristo viver em nós, temos o poder de nos negarmos, servindo em sacrifício a partir do amor dado por Deus. Nós também podemos ajudar. Podemos curar. Podemos ensinar. Podemos dar. Podemos receber os perdidos. Podemos remendar corações partidos. Por meio da fé, podemos ser como Cristo, exibindo a sua glória perante o mundo.
Na noite em que me tornei fiel a Cristo, encontrei Lawrence Dow, um diácono na Décima Igreja Presbiteriana da Filadélfia, que recebia o público à porta antes do culto da noite. Lembro-me de como seu comportamento alegre me fez sentir aceito e bem-vindo. Lawrence era um afro-americano de idade já avançada que nunca tinha tido uma educação formal de qualidade e trabalhava como porteiro em um hotel no centro da cidade. Ao longo dos anos que se seguiram, conheci bem o Lawrence, e ele mostrou como a glória e a graça se revelam por meio de obediência humilde e serviço ao evangelho.
Para falar mais sobre Lawrence, basta eu descrever seu funeral, após uma longa batalha contra o câncer. Nossa igreja estava abarrotadA de gente e o culto foi longo. Uma a uma, as pessoas testemunharam sobre como Deus tinha usado Lawrence em suas vidas. Alguns tinham conhecido a fé em Cristo por meio de seu testemunho pessoal e receberam uma espécie de tutoria sua durante o crescimento cristão. Alguns tinham se sentido desanimados e Lawrence percebera isso e lhes dera a motivação que precisavam. Três pastores diferentes falaram sobre como Lawrence os tinha levado a Cristo e os tinha equipado em seu serviço ao Senhor. Os filhos e netos de Lawrence falaram de seu legado de fé e amor em suas vidas. Todo o culto, recontando a glória da vida desse servo humilde, foi simplesmente arrebatador.
Mais tarde, eu estava sentado no escritório de meu colega pastor na igreja. Estávamos, os dois, surpresos com o que tínhamos visto; o funeral tinha sido uma experiência de glória e ficamos admirados. Depois de vários minutos em silêncio, meu amigo disse: “Isso é para mostrar o que Deus pode fazer na vida de toda pessoa que se entregue sem reservas ao serviço humilde de Jesus”. Isso é exatamente a glória que Jesus mostrou por meio de sua vida obediente, humilde e servil. É por isso que Jesus viu o acontecimento de sua maior humilhação terrena – o ápice de sua obediência servil – como sua verdadeira glorificação na Terra: “É chegada a hora”, Jesus disse da cruz, “de ser glorificado o Filho do Homem” (Jo 12.23).
Texto de Richard D. Phillips, extraído do livro A Beleza e Glória de Cristo, organizado por Joel R. Beeke, Editora Cultura Cristã.
- CASWALL, Edward. “See, amid the Winter’s Snow.” In: Christian Hymns. Brynitirion, Wales: Evangelical Movement of Wales, 1977, no. 178. ↩︎
- WESLEY, Charles. Hark! the Herald Angels Sing, em Psalter Hymnal. Grand Rapids: Board of Publications of the Christian Reformed Church, 1976, no. 339. ↩︎
- PINK, Arthur W. Exposition of the Gospel of John. Grand Rapids: Zondervan, 1975, p. 35. ↩︎
- MORRIS, Leon. Reflections on the Gospel of John. Peabody, Mass.: Hendrickson, 1986, p. 22–23. ↩︎