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A encarnação de Cristo revela a glória de Deus

Richard D. Phillips

“E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai.” (Jo 1.14).

A encarnação de Cristo é a suprema revelação da glória de Deus, trazendo verdade, graça e redenção ao mundo. […] João escreveu: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai” (Jo 1.14). O tabernáculo, que João compara à pessoa encarnada de Cristo, foi chamado de tenda de encontro porque era lá que as pessoas encontravam com Deus e viam a sua glória shekinah, a luz radiante da majestade de Deus. Da mesma maneira vemos a glória radiante de Deus na encarnação de Cristo.

Antes da encarnação Cristo, Deus já tinha, é claro, se revelado para a humanidade. Em Hebreus 1.1, lemos que Deus “outrora, tinha falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas”. De todas as maneiras diferentes Deus já tinha se revelado a Israel antes da vinda de Jesus. Mas, com a vinda de seu Filho, Deus nos deu a revelação mais verdadeira e mais eficaz de si mesmo. Em Hebreus, temos ainda: “nestes últimos dias, nos falou pelo Filho” (Hb 1.2). O Cristo encarnado é o resplendor de sua glória, e a imagem expressa de sua pessoa (Hb 1.3). João Calvino comparou a revelação de Deus antes de Cristo a um rascunho a lápis. Esse desenho vai nos permitir reconhecer uma pessoa. Agora, com a encarnação de Cristo, no entanto, Deus nos deu uma revelação em cores vivas. Em Cristo, podemos, realmente, conhecer Deus pessoalmente.

João faz a comparação entre a revelação anterior e a revelação viva de Deus em Cristo no final de seu prólogo: “Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem o revelou” (Jo 1.18). A encarnação de Cristo trouxe a revelação viva e acessível de Deus que homens e mulheres tanto aguardavam. Por todo o Antigo Testamento, homens e mulheres de Deus aguardaram o conhecimento íntimo de Deus. Mas Deus não podia ser visto, pois ele habitava, segundo Salomão, “em trevas espessas” (1Rs 8.12). Elias só ouviu uma voz fraca. Abraão lidou com anjos e viu Deus como um pote de fumaça e fogo. Moisés teve os contatos mais íntimos com Deus, diante da sarça ardente e com a luz divina brilhando em seu rosto. Mesmo assim, o que ele mais desejava era ver, ele mesmo, a Deus. “Rogo-te que me mostres a tua glória”, Moisés pediu. Mas Deus disse: “Não me poderás ver a face, porquanto homem nenhum verá a minha face e viverá” (Êx 33.18-20).

A encarnação de Cristo veio a ser a revelação perfeita de Deus que os homens podiam receber. João o descreve como “o Deus unigênito, que está no seio do Pai” (Jo 1.18). É por isso que Jesus é maior do que João Batista ou Moisés, sem mencionar Maomé ou o Papa. Jesus é, ele mesmo, o próprio Deus, um da divina Trindade. Está em íntima comunhão de amor com o Deus Pai. Cristo, portanto, é aquele que pode realmente nos mostrar Deus.

Isso significa que Jesus é o único salvador de todos que esperam conhecer a Deus. A palavra em grego traduzida por “revelada” (exe-gesato) é exegese, uma palavra utilizada por acadêmicos para a interpretação da Bíblia. Interpretamos as Escrituras para apresentar um relato completo de seu significado. É isso que Jesus faz: ele interpreta, explica e expõe Deus para nós. Jesus deu uma revelação completa de Deus no que ensinou e no que fez. Para saber como Deus é e o que ele pretende para o mundo, só precisamos estudar Jesus. É isso que mais precisamos e o que devemos buscar de maneira mais fervorosa: conhecer a Deus por meio de Jesus Cristo.

João caracteriza a revelação de Deus por Cristo em dois termos específicos: “cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai” (Jo 1.14). Considerando a primeira afirmação, Jesus nos revela Deus em verdade. Isso quer dizer não só que Jesus é como Deus em sua revelação, mas também que o Deus que conhecemos há tanto tempo é como Cristo em todas as coisas. Se quiser conhecer tudo que Deus é – como são seus modos, seu caráter, sua atitude e seu coração – tem de olhar o retrato do Filho encarnado de Deus na Bíblia. Por causa de nosso afastamento de Deus em pecado e por causa de nossa tendência idólatra de erigir falsas imagens de Deus, nossa raça tinha perdido contato com o nosso Criador. Mas Jesus veio ao mundo e sua postura, seu tom de voz, sua atitude e sua reação aos acontecimentos eram iguais aos de Deus. Ver Jesus, compreender sua mente e seu coração, seu caráter e seus hábitos é compreender a Deus. Deus é sempre e somente como Cristo. De modo que quanto mais conhecemos a Cristo, mais conhecemos a Deus. O próprio Jesus afirmou: “Quem me vê a mim vê o Pai” (Jo 14.9). Essa revelação de Deus é o motor de nossa fé, pois compreender Deus em Cristo é confiar nele e adorá-lo.

Uma passagem que mostra de modo maravilhoso a importância de ver a verdade sobre Deus em Cristo está em Lucas 7. Jesus estava fazendo uma refeição na casa de um fariseu quando uma pecadora entrou e começou a perfumá-lo e ungir-lhe os pés, lavando-os com as suas próprias lágrimas, e enxugando-os com seus cabelos. Estávamos lendo essa passagem em nossas devoções domésticas recentemente, e perguntei a meus filhos se eles sentiam desconforto com esse comportamento; eles admitiram que achavam meio bizarro do ponto de vista social. Eu destaquei que a mulher tinha visto que o Jesus encarnado era Deus em carne e revelação de Deus. A mulher é que estava agindo apropriadamente ao se prostrar em adoração, e não o fariseu que tentava tratar Jesus como um igual. Ao ver a verdade de Deus em Jesus, essa mulher, que tinha passado a vida sofrendo maus-tratos e abusos dos homens, ficou totalmente à vontade para abrir o seu coração na presença de Cristo. Por causa da verdade que ela viu revelada em Jesus, ela pôde confiar em Deus, apesar das experiências difíceis que tinha tido na vida. Do mesmo modo, aprenderemos a confiar em Deus, a nos aproximar dele, e abrir o nosso coração em adoração se virmos Deus revelado em seu filho encarnado Jesus, pois Deus é como Cristo e, por isso, podemos confiar nele.

Além disso, João disse, Jesus também revelou a graça de Deus: “cheio de graça e de verdade”. Descrevi algumas maneiras pelas quais podemos entender o Tabernáculo. João o vê como o modelo do Antigo Testamento para a gloriosa encarnação de Cristo. O tabernáculo representa a presença de Deus entre seu povo, comparação favorável à humildade terrena de Cristo, e era o lugar em que Israel se encontrava com Deus e via a sua glória. Mas há mais uma coisa vital a ser conhecida sobre o tabernáculo de Israel: era o lugar onde eram feitos sacrifícios para expiação dos pecados. O tabernáculo revelava o ódio santo de Deus por todo pecado, pois lá só se expiava o pecado por meio de sacrifício de sangue. O tabernáculo também revelava a graça maravilhosa de Deus de aceitar um sacrifício de morte em nosso lugar. Os sacrifícios de animais do tabernáculo de Israel apontavam adiante para Jesus Cristo, cuja cruz é o verdadeiro tabernáculo, revelando a graça de Deus para os pecadores por meio de sua morte por nossos pecados.

A mulher pecadora de Lucas 7, que molhou os pés de Jesus com lágrimas e os enxugou com seus cabelos, vendo a verdade de Deus em Cristo, confiou em Jesus o bastante para abrir seu coração e se aproximar da maneira mais vulnerável. Mas Jesus diz que ela também foi atraída para a graça de Deus que viu revelada nele. Ele explicou ao fariseu e aos outros convidados: “Vês esta mulher? Entrei em tua casa, e não me deste água para os pés; esta, porém, regou os meus pés com lágrimas e os enxugou com os seus cabelos. Não me deste ósculo; ela, entretanto, desde que entrei não cessa de me beijar os pés. Não me ungiste a cabeça com óleo, mas esta, com bálsamo, ungiu os meus pés. Por isso, te digo: perdoados lhe são os seus muitos pecados, porque ela muito amou; mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama” (Lc 7.44-47).

Se ver a verdade divina revelada em Jesus é a chave para confiar em Deus, ver a graça divina da cruz de Jesus é a chave para amar a Deus. João disse, em sua primeira epístola: “Nós amamos porque ele nos amou primeiro” (1Jo 4.19). Como Deus nos amou? “Nisto se manifestou o amor de Deus em nós: em haver Deus enviado o seu filho unigênito ao mundo, para vivermos por meio dele. Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou o seu Filho como propiciação pelos nossos pecados” (1Jo 4.9-10).

Jesus revelou mais plenamente a graça de Deus na cruz, fato que nos lembra que Jesus se encarnou para morrer por nossos pecados. A encarnação de Cristo encontra sua glória na expiação. Jesus nasceu homem para morrer pelos homens. É por isso que qualquer ideia de um “ministério da encarnação”, no qual as boas obras tomam o lugar da pregação da cruz de Cristo, é um equívoco completo. É errado dizer que temos de pregar sobre Cristo constantemente, e só utilizar outras palavras quando necessário. Temos de pregar Cristo por meio de palavras que apontem para a cruz, onde a graça e a verdade de Deus são exibidas para conquistar a fé e o amor dos pecadores. A única maneira de vermos a glória de Deus é proclamar incessantemente a pessoa e a obra de Cristo para a salvação dos pecadores.

Essa é uma razão pela qual devemos pregar o trabalho expiatório de Cristo em toda sua plenitude. Ensinar que Cristo morreu para que todos pudessem ter a possibilidade de salvação não glorifica a graça de Deus. Mas glorifica, sim, a graça de Deus ensinar a verdade do evangelho de que Cristo morreu para expiar com efeito a culpa de seu povo, para libertá-lo de seus pecados e para redimi-lo para a vida eterna. A glória de Cristo é maior do que a de Sócrates, que morreu por um princípio. A glória de Cristo é maior do que a de Nathan Hale, o patriota americano da época da colônia que perdeu sua vida pela grande causa da liberdade, lamentando apenas que “só tinha uma vida para dar por seu país”. A glória de Cristo é maior do que qualquer uma dessas. Ele morreu não por um princípio ou por uma causa, mas, ao revelar a graça de Deus, Cristo sofreu a morte por nós. Ele morreu, cada cristão pode dizer, “por mim”. Ver esse tipo de glória revelada na vitória de Cristo sobre a cruz muda a nossa atitude para com ele de admiração para uma de adoração.

O filme “O resgate do soldado Ryan” é sobre uma operação de resgate imediatamente após a invasão aliada da Normandia, em junho de 1944. O Departamento da Guerra ficou sabendo que três de quatro rapazes de uma família chamada Ryan tinham morrido em batalha no mesmo dia. O general chefe do exército ordenou que o quarto filho fosse resgatado de trás das linhas alemãs, onde desceram de paraquedas no Dia D. Um pelotão de elite foi designado para encontrar o soldado Ryan. Sua busca levou a uma ponte onde blindados alemães estavam tentando romper as linhas aliadas, e lá o pelotão foi destruído assim que alcançou seu objetivo. Quando o capitão que salvou o soldado Ryan estava morrendo caído na ponte, cercado pelos corpos dos homens de seu pelotão, ele disse: “Faça valer a pena. Mereça”. O filme termina com Ryan, agora um homem idoso, retornando ao cemitério onde estavam enterrados os homens que morreram por ele. De joelhos no túmulo do capitão Miller, ele disse para a cruz de gesso branco: “Todos os dias, pensei sobre o que me disse aquele dia na ponte. Tentei viver minha vida da melhor maneira que pude. Espero que tenha sido suficiente. Espero que, ao menos aos seus olhos, eu tenha feito valer a pena, que eu tenha merecido o que todos vocês fizeram por mim”. Virando-se para a sua esposa, que veio a seu lado, ele balbuciou: “Diga que levei uma vida boa. Diga que eu sou um bom homem”.

Louvamos a Deus por não ter de merecer o que Cristo fez por nós, porque jamais conseguiríamos. Recebemos sua morte não como aqueles que levaram uma vida boa, mas como pecadores que confiam em seu sangue para nossa salvação. Mas, como o soldado Ryan, ao olhar para a cruz de gesso branco no túmulo de seu salvador terreno, olhamos para a cruz de madeira de nosso divino salvador encarnado, e o adoramos não como alguém que simplesmente morreu por um princípio ou por uma causa, mas como alguém que morreu por nós. Dizemos, com fé: “ele morreu por mim”. Ao ver isso, damos glória pelo modo em que vivemos. Não vivemos para nos provar ou meramente por um princípio ou mesmo por uma grande causa. Vivemos por uma Pessoa a quem damos glória e em quem vemos a graça e a verdade de Deus revelada em seu Filho Jesus: “Vivo por ele, porque ele morreu por mim”.

Texto de Richard D. Phillips, extraído do livro A Beleza e Glória de Cristo, organizado por Joel R. Beeke, Editora Cultura Cristã.

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