Pastorear o pastor é um desafio essencial para os conselhos, que devem prover suporte e supervisão em sua jornada ministerial.
A pressuposição deste artigo é que pastores continuam sendo pecadores, e que, por inferência, a autoridade eclesiástica inclui aconselhamento, exortação, encorajamento e crítica, tanto positiva como negativa – tudo desprovido da conotação de disciplina judicial, mas com o peso de medida preventiva. Não existem dispositivos para executar essas medidas, seja diretamente ordenados pelas Escrituras, nem tampouco requeridos pelas normas secundárias da Igreja Presbiteriana Ortodoxa. No entanto, a forma de governo presbiteriano, por sua própria natureza, milita contra o governo de um único homem na igreja. Nós ministros, todos necessitamos do conselho daqueles que compartilham juntamente conosco do governo da casa de Deus.
A necessidade de pastorear pastores não é desprovida de base bíblica e embora não seja abertamente declarada, encontra-se implícita. Atos 20.28-31: “Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue. Eu sei que, depois da minha partida, entre vós penetrarão lobos vorazes, que não pouparão o rebanho. E que, dentre vós mesmos, se levantarão homens falando coisas pervertidas para arrastar os discípulos atrás deles. Portanto, vigiai, lembrando-vos de que, por três anos, noite e dia, não cessei de admoestar, com lágrimas, a cada um”. Será que se deve entender que esses presbíteros em exercício eram diferentes dos ministros? O dogmatismo, seja de que lado for, é injustificável. Mas certamente o ensinamento estava incluído em “… para pastoreardes a igreja de Deus…” E, ao que parece, muitos desses presbíteros foram escolhidos e preparados para o ofício sob a supervisão de Paulo. Ainda assim ele profetizou que “se levantarão homens falando coisas pervertidas para arrastar os discípulos atrás deles”. O apóstolo, falando profeticamente, nos disse que a escolha e a investidura de ministros pode não ser infalível! E ele os relembrava de que já os havia alertado do perigo mesmo enquanto estava entre eles (At 19.8-10).
O apóstolo enfatiza os assuntos referentes à necessidade de pastores ao longo de toda a carta de 1 Timóteo: “Para que, se eu tardar, fiques ciente de como se deve proceder na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, coluna e baluarte da verdade” (3.15). Parece que Paulo, como em 2 Timóteo, estava preparando Timóteo para ser seu sucessor, não como apóstolo, mas como líder nas igrejas da Europa e da Ásia, quando ele então terminaria seu curso terreno. Assim sendo – “Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina. Continua nestes deveres; porque, fazendo assim, salvarás tanto a ti mesmo como aos teus ouvintes” (4.16). Palavras solenes. Por mais misterioso que possa parecer, Paulo sugere que tanto a conduta do ministro quanto o conteúdo da mensagem não são absolutamente separados de sua salvação! “Devem ser considerados merecedores de dobrados honorários os presbíteros que presidem bem, com especialidade os que se afadigam na palavra e no ensino… Não aceites denúncia contra presbítero, senão exclusivamente sob o depoimento de duas ou três testemunhas. Quanto aos que vivem no pecado, repreende-os na presença de todos, para que também os demais temam” (5.17, 19-20). Desses versículos podemos tirar as seguintes conclusões: (1) O versículo 17 estabelece um valor elevado para o ministério do ensino – base para o que se segue. (2) O versículo 19 adverte contra alimentar críticas triviais contra o ministro de Cristo. (3) O versículo 20 requer repreensão pública de um ministro que avilta seu ofício por meio de pecado flagrante (veja Gl 2.11-21). Subjacente a toda a passagem está a premissa de que os cristãos – mesmo homens com dons comprovados – têm dentro deles as sementes de todo mal e precisam se resguardar e serem guardados desses pecados!
Em resumo, nossos púlpitos devem ser ocupados por homens talentosos e experimentados, embora eles continuem a ser pecadores. Até mesmo o próprio Paulo teve de voltar atrás na sua avaliação de Demas (Comparar Cl 4.14 com 2Tm 4.10). E, conquanto pecado grave nos ministros deva receber disciplina judicial, ação preventiva da parte de seus colegas presbíteros também é necessária. Minha preocupação é a seguinte: Que mecanismos são requeridos para a prevenção daqueles pecados sutis, bem como a renúncia a eles, que confrontam os pastores nesse chamado elevado e solitário? Ou, colocando de outra maneira: Os conselhos de nossas igrejas estão pastoreando adequadamente seus pastores?
Os ministros estão primariamente sob a jurisdição de seus presbitérios. Alguns presbitérios da Igreja Presbiteriana Ortodoxa têm comitês de supervisão pastoral. Também um grupo de visitação tem uma certa medida de responsabilidade nessa área. Mas será isso suficiente? Por exemplo (como tem acontecido com frequência nas nossas igrejas), um pastor tenta aconselhar uma mulher de sua congregação. Ele começa com motivos dos mais elevados, mas, com o passar do tempo, um elo emocional se desenvolve e ele se torna envolvido em comportamento censurável que traz tristeza e vergonha sobre ele, sobre a mulher, sobre a igreja e sobre honra de Cristo. Os comitês do presbitério estão distantes e o melhor que podem fazer é tratar dessas ofensas depois do fato consumado. Quem está próximo o suficiente para intervir a tempo?
Outros perigos demandam atenção imediata e minuciosa. Nós estamos ouvindo falar sobre “estafa” no ministro. Quem está ali perto o suficiente para se importar e sentir a instalação de tais problemas? Quem está ali para reparar nos problemas na família do pastor, problemas esses que, se não forem tratados no início, podem trazer consequências devastadoras? Na verdade, a posição de iminência do ministro pode se tornar solitária. Ele precisa de conselho, não há dúvida, mas ele também precisa de amigos amorosos e solidários. Existem inúmeras situações que podem, no mínimo, dificultar seu desempenho, e no pior, derrubá-lo. Que está ali perto para ouvi-lo, entendê-lo e encorajá-lo e orar com ele e por ele em sua necessidade?
Eu devo confessar que uma esposa piedosa é uma dádiva dos céus nesses casos, mas seus colegas de ministério na igreja estão ali também para problemas como esses, da mesma maneira como eles estão ali, com o pastor, para as necessidades da congregação. E aqui está uma razão para a convicção de que todos os presbíteros são pastores auxiliares de Cristo (veja Pd 5.1-4).
Mas, primeiro, deixe-me traçar uma regra geral que deve ser observada nesses casos. A regra é estrita confidencialidade! Isso não quer dizer que a confidencialidade deve cobrir pecados ou crimes que devem receber atenção de fato, seja com as autoridades eclesiásticas ou civis. Mas, a menos que as circunstâncias o requeiram claramente, divulgar confidências é quebrar o nono mandamento. “O mexeriqueiro descobre o segredo, mas o fiel de espírito o encobre” (Pv 11.13). “O homem prudente oculta o conhecimento, mas o coração dos insensatos proclama a estultícia” (Pv 12.23). A variação do grau de confidencialidade é ampla, mas um homem que não sabe distinguir entre o que deve ser dito e o que deve ser mantido em segredo, não deveria ser um presbítero.
Uma segunda exigência tem a ver com o modo como o pastor vê a si mesmo. O ministro do Evangelho é um servo. Nas gerações passadas, o pastor pode ter sido visto como o mestre. Qualquer membro da congregação que o questionasse ou discordasse dele era tido como em desacordo com Deus. Felizmente, este tempo está passando (embora nós agora corremos o perigo de ir longe demais na direção oposta). O ministro precisa saber que ele também é um pecador, passível de interpretar mal a Palavra de Deus, que tem em sua própria carne a raiz de todos os males. Da mesma forma como Cristo se humilhou como nosso Redentor, também o ministro da Palavra deve ser, “pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar” “tal como o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos.” “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus” (Tg 1.19; Mt 20.28; Fp 2.5).
E agora quanto aos três mecanismos pelos quais os conselhos podem pastorear seus pastores: o pastor deve buscar o conselho dos seus presbíteros. É seu dever proclamar todo o conselho de Deus, mas ele deve aceitar o aconselhamento de seu conselho. Eles convivem com a congregação. Eles podem avaliar melhor a maneira como ele está se saindo. É errado os presbíteros permanecerem quietos face à insatisfação com a pregação do seu pastor até que a tensão aumente a ponto de “explodir”. Eles não devem pertencer ao “clube” daqueles que nada falam até que possam criticar. O pastor precisa saber quando ele está sendo eficiente. Um grama de encorajamento vale mais que um quilo de críticas. Uma vez (e só uma vez) eu tive um presbítero que, de tempos em tempos, passava pelo meu escritório e perguntava como os sermões dos domingos seguintes estavam progredindo. Eu dizia a ele e então ele me dizia, “Vamos orar a respeito”. Eu sugiro que todo conselho deve reservar periodicamente algum tempo para discutir as necessidades e preocupações do pastor. Depois de um bom intercâmbio, que todos se juntem a ele em oração perante o trono da graça.
O dispositivo seguinte não é algo mecânico: é uma coisa do tipo “como e quando necessária”. O pastor deve tomar a iniciativa sempre que ele se sentir necessitado de conselho em seus problemas pessoais com respeito à igreja, com respeito à sua família – na verdade, sobre qualquer coisa que o incomode. É contudo verdade que ele deve ser prudente em tudo isso, para não parecer que sempre corre para eles toda vez que enfrenta a menor dificuldade. Mas eu sei como é se sentir quando se trabalha e ora e ver que nada muda. Eu sei o que é enfrentar tempos de depressão, que duravam meses devido ao meu sentimento de que a igreja que eu estava servindo estava imersa numa pasmaceira e não conseguia sair dela. Então, quando um pastor se entrega de todo coração ao seu rebanho e nada muda, o que ele deve fazer? Essas são as horas em que ele precisa de amigos amorosos e solidários!
Finalmente, deve haver alguns presbíteros capazes de perceber os problemas se aproximando na vida pessoal do pastor ou da família dele, antes mesmo que ele próprio esteja suficientemente consciente deles. É difícil saber como a escolha deve ser feita – isto é, quais os presbíteros que têm os dons e a graça de tratar delicadamente, embora de maneira amorosa, mas firme, os problemas que estão surgindo na vida do seu pastor. Poderia ser uma subcomissão, ou um ou dois presbíteros da escolha do pastor, que recebem permissão para chegar perto dele quando falhas reais de qualquer tipo começam a aparecer. Porém, um homem piedoso, paternal, que já atravessou muitos períodos de provação e pode dar um toque gentil, que é mais poderoso do que um punho de ferro, pode ser um enviado de Deus, um portador de sabedoria a um homem de Deus que não tem experiência prévia. Essa pessoa ou subcomissão deve, em primeiro lugar, se reportar ao pastor, e só depois ao conselho, somente quando as circunstâncias o exigirem.
Não há conclusão para um assunto que tem sido tratado por gerações, mas introdução a uma necessidade gritante na igreja de Jesus Cristo. Eu recomendo que os presbitérios reservem uma ocasião com o propósito específico de estudar e discutir este assunto. A necessidade existe, mas implantar um programa não é a resposta. Este é um assunto espiritual mais do que organizacional. Ele merece consideração séria.
Lawrence Eyres, Servos Ordenados, Ano 1 – Nº 1, 2004. Originalmente, o texto foi extraído de Ordained Servant vol. 8, nº. 2, pp. 29-31.
Lawrence Eyres serviu à Igreja Presbiteriana Ortodoxa durante a maior parte de sua história como pastor e como missionário nacional. Ele é também autor de um excelente estudo intitulado The Elders of the Church, publicado pela Presbyterian and Reformed. Agora ele está aposentado e mora em Janesville, Wisconsin.