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Sola Scriptura: alimentando-se da Palavra de Deus

Neste artigo, refletimos sobre a doutrina Sola Scriptura e como a Bíblia deve ser nossa fonte principal para viver a fé cristã.

O que mais poderíamos desejar do que a Palavra de Deus? Por que buscá-lo em qualquer outro lugar além de onde ele prometeu nos encontrar? Acreditamos poder aprender mais sobre Deus pelo nosso próprio intelecto ou mergulhando para dentro de nós mesmos? Achamos que as técnicas que inventamos – para a evangelização, para o louvor, para a resolução dos nossos problemas e para viver nossa vida – serão mais poderosas do que a Bíblia? Subestimamos a magnitude do que Deus nos deu na Bíblia. Nós temos a Palavra de Deus na nossa estante. Podemos segurá-la em nossas mãos. Podemos acessar sua autorrevelação a qualquer hora que desejarmos.

A leitura da palavra na comunidade

Tenho me referido ao ato de ler a Palavra de Deus, mas preciso acrescentar aqui que isso acontece não apenas na vida devocional de uma pessoa, mas também na igreja. Ali a Palavra de Deus é lida em conjunto pelo seu povo; ela é estudada e pregada.

O louvor cristão consiste na sua maior parte da Palavra de Deus. Os grandes hinos e liturgias derivam diretamente dela. Os Salmos e as respostas, as orações e as leituras das Escrituras fazem com que os adoradores adentrem na Palavra de Deus e, portanto, levam-nos à sua presença. No sermão, o pastor proclama não apenas sua própria palavra, mas a Palavra de Deus. Um bom sermão leva-nos às profundezas das Escrituras, expondo o texto, explicando e aplicando aquilo que falou. Um bom sermão nos fere com a lei e nos cura com o bálsamo do evangelho.

A necessidade do alimento espiritual

O fenômeno da pregação torna clara outra qualidade das Escrituras. Ela é inexaurível. Um bom expositor pode abrir níveis, após níveis de discernimento a partir de um único versículo. As recompensas de um profundo estudo bíblico – não o tipo no qual todo mundo simplesmente compartilha seus sentimentos a respeito de uma passagem, mas o tipo que mergulha profundamente no texto – são incomensuráveis. “Desvenda os meus olhos, para que eu contemple as maravilhas da tua lei” (Sl 119.18).

A Bíblia é algo para se alimentar. Jesus combateu o diabo com palavras das Escrituras quando ele foi tentado no deserto. Quando o diabo sugeriu que Jesus realizasse um milagre para quebrar seu jejum, nosso Senhor respondeu com uma passagem de Deuteronômio: “Está escrito: Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus” (Mt 4.4; Dt 8.3).

O alimento das Escrituras nos mantém na fé verdadeira, levando-nos repetidamente ao arrependimento, ao perdão, à obediência a Deus e à proximidade com ele. Ouvir a pregação da Palavra de Deus, estudar as Escrituras com outros cristãos e ler a Bíblia sozinho mantém o cristão vivo tão certamente quanto o alimento físico é necessário para a sobrevivência física.

O declínio da leitura bíblica nas igrejas modernas

Vivemos em tempos de fome espiritual. As pessoas têm Bíblia e até dizem acreditar nela, mas o nível de leitura e compreensão bíblica nunca esteve tão baixo. Muitas igrejas deixaram de ler as Escrituras, ou reduziram radicalmente a leitura delas nos seus cultos para dar mais tempo para a música popular. Pastores estão pregando com base nas suas próprias imaginações criativas, em vez de pregar a Palavra de Deus. Com certeza, várias igrejas estão crescendo, atraindo grandes números pela aplicação de princípios sociológicos e dispositivos de marketing. Mas eles estão tentando viver só de pão, e não de toda palavra que procede da boca de Deus.

Comecei descrevendo minha experiência de ler a Bíblia pela primeira vez e como me deparei com meu próprio pecado e a graça de Deus. Desde então, tenho continuado a ler. Lendo três capítulos por dia, você lerá a Bíblia inteira em aproximadamente um ano. Lendo apenas um capítulo por dia, isso o levará a uma peregrinação espiritual que durará três anos. Outro bom esquema que descobri é ler um capítulo do Antigo Testamento e um capítulo do Novo, mais um salmo, e lendo a sequência repetidas vezes.

Os desafios e recompensas de leitura constante

Maus hábitos são difíceis de romper, assim como os bons hábitos. Agora não consigo dormir até que tenha feito minha leitura. Os “gerou” das genealogias, as instruções repetidas sobre como construir o tabernáculo e o templo, as prescrições exaustivas para cerimônias e sacrifícios que não são mais requeridos – confesso que esses são entediantes, mas tenho aprendido a amá-los também. Deus escreveu muitos nomes, com isso demonstrando como ele valoriza as pessoas e suas contribuições ao desenrolar do seu plano, o que me faz lembrar dos nomes que Deus escreveu no seu Livro da Vida.

Os planos arquiteturais, tão precisamente ordenados, lembram-me de que Deus importa-se com a forma com a qual as coisas são construídas – afinal, ele construiu o Universo – e que ele honra as habilidades artísticas humanas. Os regulamentos cerimoniais detalhados lembram-me que Deus se importa com a maneira pela qual ele é adorado, que ele exige a beleza da santidade, e que ninguém pode achegar-se a ele sem o sangue do Cordeiro.

A transformação através da leitura bíblica

Mas ao ler capítulo por capítulo, ano após ano, fico impressionado com a maneira pela qual, nas palavras do poema de Herbert, “vossas palavras encontram-me”. A Palavra de Deus tem servido como um comentário sobre a minha própria vida. Quando tenho problemas, minha leitura bíblica – algumas vezes de modo assustador – trata deles. Já quando eu precisei ser derrubado, a lei de Deus me pôs de joelhos. Quando precisei ser encorajado, as promessas do evangelho foram exatamente o que precisava ouvir. Pelo falecimento de entes queridos, tribulações profissionais, preocupações familiares e pura melancolia por nenhum motivo em particular, tenho encontrado conforto inexprimível na Palavra de Deus. E nos meus momentos de felicidade, que são muito mais frequentes, também me ajoelho em gratidão pela graça inexplicável de Deus.

Herbert descreve as Escrituras Sagradas como um espelho “que corrige os olhos do observador”,[1] significando que a Bíblia nos ajuda a nos enxergar com clareza, quando nós de fato nos encontramos perante Deus, enquanto também, como meio de graça, transforma-nos no que deveríamos ser.

A Palavra de Deus: simplicidade e poder

Alguns acusam aqueles que tanto amam a Bíblia de “bibliolatria”, de adorarem a um livro. É claro que nós não estamos adorando a um livro, mas aquele que o escreveu. Mesmo assim, às vezes, chego perto de aceitar essa acusação, tamanho é o acesso a Deus que ele nos dá a ele mesmo pela Bíblia, tão real e íntima é a sua conexão com a sua Palavra. Muitas pessoas pressupõem que a Palavra é pequena e insignificante, de pouca importância quando comparada a algumas experiências religiosas espetaculares ou demonstrações de poder terreno. Porém, lembramo-nos de que Jesus não veio em glória, mas como um pobre bebê, embalado numa manjedoura, aquele que cresceria para morrer numa cruz, e para tanto, lembramo-nos também de que os caminhos de Deus não são nossos caminhos.

O fato de Deus ter se revelado num livro pode parecer simples demais, pouco espiritual, insuficientemente místico. É compreensível que alguém ache que é bom demais para ser verdadeiro. Mas é verdadeiro. O Deus que se tornou homem revelou-se na linguagem humana. E sua Palavra, registrada num livro, é o poder para a salvação.

Gene Edward Veith

Texto adaptado do livro Série Fé Reformada – vol. 4, Editora Cultura Cristã.


[1] HERBERT, George. “The Holy Scriptures II”. In: WILCOX, Helen, org. The English poems of George Herbert. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p. 208.

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