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O Evangelho da Graça

BOICE, James Montgomery. O evangelho da graça: A aventura de restaurar a vitalidade da igreja com as doutrinas bíblicas que abalaram o mundo. São Paulo: Cultura Cristã, 2003. 224p. Tradução de Meire Portes Santos do título original Whatever happened to the Gospel of Grace.

Esta obra foi a última mensagem escrita pelo influente teólogo americano James Montgomery Boice, ex-pastor da Décima Igreja Presbiteriana de Filadélfia, PA – USA. Boice faleceu em junho de 2000, após ser diagnosticado um câncer em seu fígado. Jim Boice, como era conhecido entre os colegas, foi um distinto acadêmico que sempre se destacou desde seus anos de estudos na Universidade de Harvard, no Seminário de Princeton e na Universidade de Basel, na Suíça. Seu compromisso com a teologia reformada o levou a fundar a Conferência de Teologia Reformada Filadélfia (1974), bem como a ter participação ativa na formação do Conselho Internacional sobre a Inerrância Bíblica (1978-1988), e na organização da Aliança dos Evangélicos Confessionais (1996). Dentre as outras obras de Boice traduzidas para a língua portuguesa temos, O discipulado segundo Jesus e Creio, sim, mas e daí?, ambas também publicadas pela Editora Cultura Cristã.

O livro O evangelho da graça foi estruturado a partir da declaração do propósito da Aliança dos Evangélicos Confessionais, que afirma existir para “chamar a igreja, no meio de nossa cultura decadente, a se arrepender do seu mundanismo, recuperar e confessar a verdade da Palavra de Deus como os reformadores o fizeram, e ver tal verdade incorporada em doutrina, culto e vida” (p. 14). Assim, o livro consiste de três partes. Primeiramente, Boice tece uma análise sobre a cultura decadente do evangelicalismo contemporâneo. Em segundo lugar, ele expõe os pressupostos e implicações das ênfases da Reforma que abalaram o mundo, ou seja, só as Escrituras, só Cristo, só a graça, só a fé e só a Deus seja a glória. Em último lugar, ele elabora alguns princípios da forma a ser empregada para a renovação da condição do evangelicalismo presente. Em virtude disso, parece correto afirmar que “Jim Boice nos deu uma mensagem tripla, chamando-nos, como cristãos, a: (1) arrepender do nosso mundanismo; (2) recuperar as grandes doutrinas bíblicas da salvação como os reformadores o fizeram quinhentos anos atrás; e (3) viver uma vida transformada pelas verdades essenciais do evangelho” (p. 9).

Na primeira parte do livro, ao comentar sobre a cultura decadente do evangelicalismo contemporâneo, Boice focaliza dois temas específicos: o pragmatismo e as características principais do presente século. Sua análise acerca da influência do pragmatismo sobre o meio evangélico atual é, não apenas contundente, como também corajosa. Após descrê ver os erros e as fraquezas do movimento liberal, Boice afirma ter sido atingido por um raio ao constatar que o que ele dizia sobre as igrejas liberais “agora precisa ser dito sobre as igrejas evangélicas também” (p. 23). A razão desse fenômeno deve-se à entronização do pragmatismo quanto à missão da igreja cristã no mundo. Boice chama essa nova postura dos evangélicos de “mundanismo” e descreve as suas principais características como: secularismo, humanismo, relativismo, funcionalismo, desatenção, e outros. A única esperança de mudança dessa condição, na perspectiva de Boice, é a redescoberta da teologia bíblica exposta pelos reformadores (p. 57).

Ao analisar as doutrinas que abalaram o mundo no período da Reforma Protestante no século 16, Boice concentra sua atenção nos cinco sola daquele movimento. Segundo ele, essas teses precisam não apenas ser redescobertas, mas também relacionadas ao desafios específicos do tempo presente. Assim, a ênfase contemporânea sobre a sola Scriptura deve abordar não apenas a autoridade da Palavra, mas também sua suficiência para a vida cristã e missão da igreja. A redescoberta do solus Christus aponta para a centralidade da cruz e de sua mensagem para o mundo contemporâneo. Segundo Boice, a cruz e a doutrina bíblica da justificação têm sido marginalizadas no meio evangélico atual. A necessidade de redescobrir a sola gratia, segundo Boice, deve-se ao fato de que “apesar de afirmarmos a graça de Deus na teoria, nós a rejeitamos na prática” (p. 103). Grande parte do evangelicalismo contemporâneo age sobre a pressuposição de que os seres humanos são bons e que os cristãos até possuem direitos a serem reivindicados diante de Deus. Segundo Boice, a doutrina da graça tem sido não apenas omitida, mas até mesmo desprezada e carece urgentemente ser resgatada.

Comentando a necessidade do resgate das teses sola fide e soli deo gloria entre os evangélicos, Boice adverte para o ressurgimento de dois antigos erros teológicos. O primeiro é o Sandermanianismo (Robert Sanderman, séc. 18), ou seja, o ensino de que alguém pode ser salvo apenas pela apreensão intelectual das doutrinas da salvação. Esse erro foi especialmente difundido por Charles C. Ryrie (editor da Bíblia de Estudos Ryrie) e Zane C. Hodges (editor do texto grego majoritário do Novo Testamento), ambos professores do Dallas Theological Seminary. Segundo essa perspectiva, alguém poderia ser um cristão sem ser um discípulo de Cristo. Boice argumenta que “uma das razões pelas quais este ensinamento elimina a obediência da essência da fé salvadora é para incluir como cristãos os crentes professos cujas vidas estão repletas de pecado” (p. 136). No que diz respeito à urgente necessidade de se recobrar a ênfase dos reformadores sobre a glória de Deus, Boice assevera que a mesma baseia-se sobre a perda do senso de majestade divina, o que levou até mesmo à perda do senso da presença divina (p. 145). Como resultado, a igreja evangélica sucumbiu em face ao pragmatismo e as programações centralizadas no humanismo, antes que em Deus. Logo, ao refletir sobre a condição de algumas igrejas contemporâneas, Boice não hesita de chamá-las de “mundanas”.

A última parte do livro consiste de uma proposta de renovação da condição do evangelicalismo atual. Segundo Boice, essa restauração passa especialmente por uma reforma da prática litúrgica e cúltica da igreja, bem como por uma reforma da cosmovisão cristã contemporânea. Mais uma vez isso requer o abandono da perspectiva trivial, consumista, utilitarista e altamente orientada pelas teorias de marketing e, por outro lado, um comprometimento sério com os princípios bíblicos sobre adoração e discipulado cristão.

Concluindo, pode-se afirmar que nesta sua última obra escrita, Jim Boice deixou mais uma mensagem profética para o povo evangélico. Nela ele denuncia um dos mais emergentes pecados do evangelicalismo contemporâneo, aponta o ideal a ser atingido e sugere alguns caminhos a serem tomados.

O Dr. Valdeci da Silva Santos é Diretor do Centro Presbiteriano de Pós-graduação Andrew Jumper.

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