EDGAR, W. Francis Schaeffer e a vida cristã: a espiritualidade contracultural. São Paulo: Cultura Cristã, 2018, 224 p.
William Edgar é professor de apologética do Westminster Theological Seminary, em Filadélfia. Obteve o bacharelado de música da Harvard University, em 1966, o grau de M. Div. do Westminster Theological Seminary, em 1969, e o PHD em teologia da Université de Genève, Suíça, em 1993[1]. Teve o privilegio que poucas pessoas tiveram, pois, conheceu e trabalhou com Francis Schaeffer, no L’Abri e estudou com Cornelius Van Til no Westminster Theological Seminary. Até onde eu pude pesquisar, William Edgar além desse livro que estaremos resenhando, tem também os seguintes materiais traduzidos para o português: o livro “Razões do coração”[2], e mais três artigos nos seguintes anos de 2011[3], 2017[4], e outro também em 2017[5].
O livro “Francis Schaeffer e a vida cristã: a espiritualidade contracultural”, encontra-se dividido de uma maneira um pouco incomum. Temos o primeiro capítulo e, depois, os demais capítulos inseridos dentro de três partes. A primeira parte tem por título “O homem e seu tempo”e contém os capítulos dois e três.
A segunda tem por título “Verdadeira espiritualidade” e contém os capítulos quatro a seis.
A terceira tem por título “Confiando em Deus para tudo na vida” e vai dos capítulos sete ao dez. O livro ainda contém um posfácio. Diferentemente de outras biografias sobre a vida de Schaeffer, este livro tem como diferencial dois aspectos importantes. Em primeiro lugar, ele explora com certo nível de profundidade algo diferenciado do L’Abri: “a sua mais importante razão de ser, ou seja, a espiritualidade cristã” (p. 14). E, em segundo lugar, ainda muito jovem, Willian Edgar conheceu Schaeffer; e, nas suas próprias palavras:
Visto que tive o privilégio de testemunhar pessoalmente muitos dos temas e personalidades relacionadas com Francis Schaeffer e L’Abri, comecei e terminei a narrativa com alguns fatos que envolvem a minha própria narrativa” (p. 14).
Isso já torna o livro bastante envolvente e, com uma narrativa bastante peculiar.
O Primeiro capítulo tem por título “Uma introdução pessoal a Francis Schaeffer”. Aqui, William Edgar nos apresenta como, de maneira comovente, conheceu Schaeffer no L’Abri. William Edgar chegou ao L’Abri com 19 anos e como um descrente, porém, ele diz que “em menos de 24 horas depois da minha chegada em L’Abri, minha vida tinha virado de cabeça para baixo completamente” (p. 24). Posteriormente, Schaeffer se torna não só um mentor, mas um amigo.
O segundo capítulo tem por título “A jornada para o L’Abri”. Aqui, William Edgar mostra fatos importantes na vida de Francis Schaeffer, que vão desde o nascimento (p. 42-43), conversão (p. 43-44), formação superior (p. 44-49), casamento (p. 45), nascimentos das filhas ainda nos EUA (p. 49, 50, 51), pastoreio e sua ida para Suíça, o momento de crise do Schaeffer, o nascimento do filho de Schaeffer (p. 58) e, finalmente, como se deu a expulsão dos Schaeffers do cantão de Valais (p. 60).
O terceiro capítulo tem por título “L’Abri e além”. Nele, William Edgar narra desde a chegada dos Schaeffers em Huémoz (p. 65), e apresentará também a contribuição de Schaeffer na criação de um jargão teológico próprio (p. 70-71). Por fim, fará uma bela apresentação dos vários livros escritos por Schaeffer.
O quarto capítulo tem por título “Fundamentos”. Nesse capítulo nos é apresentado “os pontos de vista de Francis Schaeffer sobre a vida cristã” (p. 87). O objetivo de William Edgar é tratar de forma panorâmica temas que são muito caros ao pensamento de Schaeffer, tais como “Fundamentos do Evangelho” (p. 89), “A autoridade da Verdade” (p. 91), a “Espiritualidade da cosmovisão” (p. 94) e, por fim, “Os contornos da realidade”. Essa parte merece ser lida com bastante apreço, principalmente para aqueles que insistem em apresentar uma apologética agressiva. Schaeffer valorizava tanto a Ortodoxia como a Ortopraxia. No dizer de William Edgar, Schaeffer irá “enfatizar a necessidade de doutrina sólida, juntamente com a prática sólida. A primeira “realidade” é a sã doutrina. O segundo “conteúdo” é respostas honestas a perguntas honestas” (p. 101). Em outras palavras, o cristão deverá demonstrar uma “espiritualidade verdadeira” e a “beleza das relações humanas”.
O quinto capítulo tem por título “Liberdade na vida cristã”. Este capítulo tem como alvo analisar a primeira parte do livro “Verdadeira Espiritualidade”. William Edgar apresenta a contribuição de Schaeffer na análise para detectarmos se estamos cobiçando. Segundo ele, Schaeffer irá apresentar dois testes. O primeiro faz referência a Deus, no tocante ao contentamento que temos nele. Pois, “se eu amo a Deus o suficiente para estar contente, então eu estou sendo adequadamente espiritual” (p. 105). O segundo teste, por sua vez, tem uma relação com o meu próximo “será que eu amo o meu próximo o suficiente parta não o invejar?” (p. 106). Temas ainda sobre a vida cristã no que se refere ao aspecto passivo e ativo serão elencados também neste capítulo.
O sexto capítulo tem por título “Aplicações”. O seu principal objetivo é analisar a segunda parte do livro “Verdadeira Espiritualidade”. Aqui, será apresentado um ponto de controvérsia. Pois, “Schaeffer coloca o mundo do pensamento no centro da vida cristã” (p. 119). William Edgar vai discordar do seu mentor e diz que “certamente, a ideia bíblica do coração é mais rica do que a mente e seus pensamentos (embora ela inclua a mente)” (p. 119). Outros temas serão Abordados, mas não há uma discordância entre o autor e o Schaeffer.
O sétimo capítulo tem por tema “Oração e Orientação”. William Edgar vai nos oferecer uma apresentação rica em detalhes sobre a abordagem de Schaeffer acerca da oração. “Embora, Francis Schaeffer não tenha deixado um legado de extensos escritos sobre o tema oração, ele pregou pelo menos um conjunto bastante completo de mensagem sobre o assunto” (p. 137). Sobre o tema orientação, William Edgar vai afirmar que, se no tema oração, Schaeffer não tenha nos deixado um legado extenso, muito menos deixou sobre o tema orientação. Algo interessante é que “Edith foi mais prolífica do que Fran na abordagem da orientação” (p.142).
“Um das orações constantes de Edith era que o Senhor deixasse claro o que ela devia fazer em uma determinada situação – em outras palavras, que o Senhor a guiasse” (p.142). William Edgar demonstrará através do caso da poliomielite do filho dos Schaeffers, como se dava na prática essa busca por orientação ao Senhor pelo casal.
O capítulo oito tem por tema “Aflição”. Novamente, Edith se destacará na abordagem do assunto. Pois, ela foi “quem mais escreveu extensivamente sobre sofrimento, enquanto o material de Fran reflete de passagem ou o aborda mais filosoficamente, e em grande profundidade, quando trata do problema do mal” (p. 147).
“O livro Affliction[6] de Edith representa o cume de seus pontos de vista sobre o sofrimento” (p. 147). William Edgar também nos mostrará que, concernente ao problema do mal, Schaeffer está próximo de Van Til na abordagem. “De uma maneira sugestiva de Cornelius Van Til, Schaeffer afirma que existem realmente apenas duas explicações possíveis para o problema do mal” (p. 151). Ou seja, uma causa metafísica e outra ética.
O capítulo nove tem por tema “Vida na igreja”. Nesse capítulo, aparecem dois assuntos controversos na apresentação que Wiliam Edgar faz dos escritos de Francis. O primeiro assunto controverso tem a ver com a seguinte declaração do Schaeffer, registrada por Edgar “o mundo atual tem o direito de julgar se nossa fé cristã é autêntica. Pode julgar com base em nosso amor mútuo” (p. 161). Cornelius Van Til vai discordar veementemente de Francis Schaeffer acerca dessa declaração[7]. O segundo ponto controverso é sobre o pedir perdão. Schaeffer nos diz que “não precisamos esperar a outra pessoa dar o primeiro passo” (p. 162). William Edgar aceita tal posição, embora reconheça que esse essa abordagem não é aceita por todos os teólogos reformados[8]. No fim do capítulo são apresentadas oito normas “estruturais que governam a igreja visível (p. 173, 174). Por fim, embora William Edgar já tenha falado sobre a igreja fundada por Schaeffer (p. 59, 60), agora vai aprofundar o surgimento e como se dá a vivencia na Internacional Presbyterian Church (p. 175).
Finalmente, chegamos ao último capitulo. O capítulo dez tem por título “Engajando o mundo”. Nele encontramos um tipo de panorama dos temas que Schaeffer trabalhou em diversas obras. Contudo, novamente queremos fazer um destaque em algo que William Edgar vai dizer sobre Schaeffer. Ele nos diz que Schaeffer “concorda que os filósofos não cristãos desde os gregos até pouco antes da modernidade tinham três coisas em comum: o racionalismo, o respeito pela racionalidade e otimismo” (p. 191)[9]. Aqui, Schaeffer parece ser um tanto ingênuo em acreditar que os filósofos do passado foram bem sucedidos na apresentação de um campo de conhecimento unificado. Por isso que “Van Til o acusa de não reconhecer a dialética perpétua do pensamento racionalista/irracionalista em cada época” (p. 191)[10].
Finalizamos, afirmando, que William Edgar fez um belíssimo trabalho, nos oferecendo um trabalho com riquezas de detalhes uma vez que foi testemunha ocular de muitas coisas que aqui estão registradas.
A tradução de Neuza Batista da Silva foi muito eficiente, não nos deixando em dúvida sobre o sentido das frases. O livro também consta de uma diagramação bem feita, proporcionado uma leitura aprazível.
A Editora Cultura Cristã está de parabéns pelo excelente trabalho. Queremos recomendá-lo para todo estudante engajado em apologética e na análise cultural. Certamente, farão bem, em lê-lo. Essa obra também será de grande ajuda para os iniciantes nos estudos acerca da vida de Francis Schaeffer. Contudo, até mesmo os mais experientes poderão se beneficiar das riquezas de detalhes fornecidas pelo autor. A edição é apresentada sob o selo “Série Teólogos e a Vida Cristã”, já conta com outros volumes em português.
* O autor é Bacharel em Teologia pelo Seminário Presbiteriano do Norte. Pós-Graduado em Teologia Pastoral também pelo SPN. Encontra-se cursando o mestrado em Teologia com ênfase em Teologia Filosófica. E conclui no próximo ano o curso de licenciatura em Filosofia pela UNICAP. .
[1] Disponível em: < https://faculty.wts.edu/faculty/edgar/>. Acesso em: 06, ago. 2020.[2] EDGAR, William. RAZÕES DO CORAÇÃO: reconquistando a persuasão Cristã. Brasília, Ministérios Refúgio, 1996.
[3] EDGAR, William. A luz de Schleiermacher na restauração da França: os precedentes de Samuel Vincent e Merle d. Aubigné. In: LILLBACK, Peter. A. (org). O calvinismo na prática: uma introdução à herança reformada e presbiteriana. São Paulo: Cultura Cristã, 2011. p. 217-234.
[4] EDGAR, William. As artes e a tradição reformada. In: HALL, David. W.; PADGETT, Marvin (org). Calvino e a cultura. São Paulo: Cultura Cristã, 2017. p. 58-84.
[5] EDGAR, William. Dois guerreiros cristãos: uma comparação entre Cornelius Van Til e Francis Schaeffer. In: ARAÚJO NETO, Felipe Sabino de (org.). Coram Deo: a vida perante Deus: ensaios em honra a Wadislau Gomes. Brasília: Monergismo, 2017. p. 801-832.
[6] Em 2019 a Editora Monergismo lançou em português o referido livro. Seguem-se os dados: SCHAEFFER, Edith. Aflição: um olhar compassivo sobre a realidade da dor e do sofrimento. Brasília: Monergismo, 2019, 344 p.
[7] VAN TIL, Cornelius. The apologetic methodology of Francis Schaeffer. Westminster Theological Seminary, 1974. p. 48, 49.
[8] Jay Adams discorda desse ponto de vista de Schaeffer e do William Edgar. Veja em: ADAMS, Jay. De perdoado a perdoador: aprendendo a perdoar uns aos outros da forma de Deus. Brasília: Monergismo, 2015, 220 p.
[9] Para mais informações de como Schaeffer aborda isso, veja em: SCHAEFFER, F. Como viveremos? São Paulo: Cultura Cristã, 2003. p. 96, 97.
[10] Para mais informações veja em: VAN TIL, Cornelius.The apologetic methodology of Francis Schaeffer. Westminster Theological Seminary, 1974. p. 39ss.