A pergunta que intitula este artigo pode soar estranha e despropositada a nós cristãos, tão acostumados com as comemorações do Natal […] Podemos então pensar: é razoável esta pergunta? Bem, a verdade é que esta indagação tem a sua razão de ser; e o mais sério é que ela é geralmente formulada por cristãos sinceros, desejosos de permanecerem fiéis às Escrituras. Vejamos então, de forma indicativa, os principais argumentos que em geral são levantados contra as comemorações do Natal.
1) A impossibilidade de precisar a data correta do nascimento de Cristo. Além disso, sabemos que não foi em dezembro;
2) A data de 25 de dezembro está associada às divindades pagãs romanas que adoravam inclusive o sol;
3) A instituição desta data somente em meados do 4º século, sendo a data escolhida para substituir as comemorações pagãs tão incrustadas na vida do povo;
4) As associações feitas com o Natal que nada têm a ver com o seu significado, antes, estão relacionadas às práticas pagãs ou simplesmente culturais: pinheiros decorados (árvore de natal), bolinhas coloridas, Papai Noel, troca de presentes (com todo o endividamento decorrente dessa prática), a exploração da mídia, da indústria e comércio;
5) A palavra Natal em inglês: Christmas, é proveniente do latim Christes Maesse, sendo composta de: Christ (Cristo) e mass (missa), significando a missa de Cristo. Ora, a missa romana, como sabemos, tem a pretensão de repetir o sacrifício de Cristo, assim sendo, a obra expiatória de Cristo não teria sido suficiente de forma total e definitiva para expiar os pecados dos que creem; o que contraria o ensino bíblico (Hb 4.14; 6.19-20; 7.24-28; 9.11,12, 23-26,28; 10.10,12,14).
6) A ausência de indícios no Novo Testamento da comemoração do Natal.
Particularmente considero todos os argumentos apresentados como procedentes. Mas, ainda que lamente a comercialização desse dia e, a associação indevida com elementos estranhos ao nascimento de Jesus Cristo, sustento que devemos comemorá-lo. Creio que a Igreja pode e deve comemorar o nascimento de nosso Senhor Jesus Cristo. As razões são simples:
1) O Cristianismo é uma religião histórica, com datas e fatos que estão registrados em diversas fontes, sendo a Bíblia a principal fonte por ser inspirada por Deus (2Tm 3.16; 1Pe 1.21). Ele não se ampara em lendas, antes, em fatos os quais devem ser testemunhados, visto que eles têm uma relação direta com a vida dos que creem. O Cristianismo é uma religião de fatos, palavra e vida. Os fatos, corretamente compreendidos, têm uma relação direta com a nossa vida. A fé cristã fundamenta-se no próprio Cristo: O Deus-Homem. Sem o Cristo Histórico não haveria Cristianismo. A sua força e singularidade estão neste fato, melhor dizendo: na pessoa de Cristo, não simplesmente nos seus ensinamentos. O Cristianismo é o próprio Cristo. Sem os fatos históricos, o Cristianismo se assemelharia às lendas inventadas pelos homens em suas mitologias (Homero, Hesíodo, Ovídio). O Natal traz-nos à lembrança de que o Cristianismo é um fato histórico inegável; a nossa religião não é docética, antes é concreta e real. No entanto, como não devemos criar dias santos além do instituído pelo próprio Deus, podemos, por exemplo, cultuar a Deus considerando de modo especial a encarnação, no domingo mais próximo do dia 25 de dezembro. Afinal, a guarda do domingo, em lugar do sábado não foi praticada pela igreja justamente pelo fato de Cristo ter ressuscitado nesse dia?! (Mc 16.2,9; Jo 20.1,19).
2) “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós”, registra João (Jo 1.14). O Verbo eterno (Jo 1.1), se fez carne, “armou sua tenda” entre nós, viveu como homem de fato: o Deus-Homem. Assim, ele pregou, curou, morreu e ressuscitou (1Co15.1-8; Hb 2.17-18). Tudo isto ocorreu na história, sendo testemunhado e registrado. A Igreja de Cristo em sua existência é o grande atestado da vida, morte e ressurreição de Cristo na história.
O Natal conta parte dessa história; portanto, devemos celebrá-lo com espírito de gratidão a Deus, por ter enviado o Seu Filho na “plenitude do tempo” (Gl 4.4) para redimir o Seu povo.
Devemos então, corrigir nossas práticas? Sem dúvida. A igreja tem perdido a dimensão do Natal, deixando-se levar por elementos estranhos ao nascimento de Nosso Senhor. Por isso, com frequência, as comemorações tornam-se mera alusão a um ser ausente e desconhecido. É preciso que redescubramos o valor do Natal: O Deus eterno fez-se homem e habitou entre nós. Somente pelo Espírito de Cristo poderemos oferecer a Deus um culto que lhe seja agradável, com coração sincero, em espírito e verdade (Jo 4.24), revelando em nosso viver os efeitos históricos da sua vida, morte e ressurreição. Viver de modo digno do Evangelho (Fp 1.27) é um atestado de que a obra de Cristo na história não foi em vão. Feliz Natal!
Texto extraído do Jornal Brasil Presbiteriano, Ano 50 nº 650 – Dezembro de 2008